04 março 2013

O SOL GLORIOSO

O SOL GLORIOSO - Isaac Asimov ( excerto do livro “O Início e o Fim” - Edições Melhoramentos)

Vivemos da energia do Sol Glorioso, e tudo que vive o faz. As plantas verdes fazem uso da energia da luz solar para converter o dióxido de carbono, a água e minerais em hidratos de carbono, gordura e proteínas. Os animais vivem dos compostos de alta energia das plantas, ou de outros animais que comeram plantas. Toda a vida animal, inclusive a nossa, se alimenta, finalmente, das plantas verdes que fizeram uso da energia da luz solar para criar a provisão de alimentos.
A tecnologia do homem está também, baseada, na energia solar. O calor solar aquece desigualmente o ar e o mar, criando ventos e correntes oceânicas. O calor solar evapora o oceano, elevando quilómetros cúbicos de água ao espaço, na forma de vapor. Lá, a água, a seu tempo, condensa-se, e cai em forma de chuva; parte dela cai em continentes, onde se acumula em lagos a lagoas, alguma corre de volta aos oceanos na forma de rios e riachos. E os ventos e a água corrente têm estado a mover navios e a girar rodas desde os tempos antigos.
 A grande fonte de energia, feita pelo homem - o fogo - depende da queima de combustível no ar. Onde o combustível é lenha, o fogo representa a queima de compostos formados por plantas através do uso da energia da luz solar; onde é a gordura animal, são os compostos formados por animais a expensas das plantas; onde se trata de carvão ou de petróleo, o combustível é material que se formou por meio de plantas ou de animais há centenas de milhões de anos, partindo da energia dessa antiga luz solar.
Até o oxigénio da nossa atmosfera foi libertado da água pela energia solar usada pelas plantas na fotossíntese. (nota do autor deste blog)
 Alguma energia usada pelo homem não é de origem solar; o calor interno da Terra manifesta-se em fontes quentes; a rotação da Terra produz o movimento das marés; e os núcleos atómicos podem sofrer fissão, ou fusão, para produzir energia. Estas fontes não-solares de energia têm contribuído, por enquanto, muito pouco para as necessidades totais de energia da humanidade.
A principal fonte, neste momento (e durante dois séculos passados), é o carvão, apenas superado pelo petróleo - ambos obtidos do interior da crosta terrestre. Entretanto, o carvão é difícil de ser conseguido e transportado; ademais, sua escavação prejudica o meio ambiente. O petróleo é de abastecimento limitado, e o dia do seu desaparecimento não se encontra a muitos decénios no futuro. Tanto o carvão como o petróleo, ao serem queimados, poluem gravemente. Ainda que o carvão e o petróleo pudessem ser purificados e queimados com completa eficiência, de modo a não produzirem poluição química comum, eles, ainda assim, dão como desperdício dióxido de carbono, que não deixaria o calor escapar para o espaço, a isto aceleraria a tendência para o aquecimento pelo efeito de estufa que aquece lentamente a Terra, alterando-se o clima.
Se nos voltarmos para a fissão nuclear, haverá o grande perigo da poluição pela radiação. Se nos voltarmos para a fusão nuclear, com a qual o perigo da poluição é muito menor, teremos de enfrentar o facto de que os problemas de engenharia envolvidos na fusão se encontram por enquanto solução, e talvez requeiram decénios para serem resolvidos.
Podemos voltar-nos de novo para o Sol. A despeito de toda a energia solar que entra na produção do vento, das correntes aquáticas e das plantas verdes, mais de 90 % da energia que recebemos do sol destina-se simplesmente a aquecer a Terra. Este aquecimento é útil, naturalmente, pois mantém a temperatura da Terra suficientemente quente para tornar possível a vida. Contudo, se esse desperdício de calor da luz solar fosse utilizado para os propósitos do homem, ele acabaria sendo utilizado como calor (que é indestrutível), e a Terra continuaria tão quente como antes. A cada dia, a quantidade de luz solar que incide sobre a Terra, sem ser usada de alguma forma, a não ser para aquecer o nosso planeta, representa tanta energia quanto a humanidade utiliza em cerca de 3 anos. E mais: a energia solar a completamente não-poluente. Ela nem sequer introduz poluição pelo calor, porquanto o calor existe, nela, na mesma quantidade, façamos ou não façamos uso da energia.
 Que é que nos impede, então, de fazer uso da energia solar?. Três coisas:
1. energia solar é muito diluída. É muito abundante, mas espalha-se subtilmente por uma grande área. Colectá-la e concentrá-la até o ponto em que se torne útil para a tecnologia humana é coisa altamente complexa.
2. A energia solar directa varia em quantidade com a hora do dia . É baixa pela manhã e à tarde, e não existe à noite. As nuvens, a névoa e a neblina reduzem-lhe a quantidade, mesmo quando está no ponto máximo. Em muitos lugares, onde a indústria do homem é mais concentrada, a quantidade disponível do Sol é particularmente variável.
3. O homem tem sido extremamente preguiçoso quanto a solucionar os problemas de engenharia envolvidos no uso directo da energia solar, porque estiveram à sua disposição as técnicas mais simples de queima do carvão e do petróleo; e tem tido, igualmente, falha de imaginação, de modo que não tem visto as necessidades e as possibilidades com suficiente antecipação para fazer funcionar um dispositivo condicionador de ar que refrigerará a casa no tempo de calor. O Sol pode não inspirar confiança bastante para manter essa "casa solar" em funcionamento durante fases de céu encoberto, ou quando o tempo está extremamente quente, ou frio; mas poder-se-iam usar fontes de energia mais convencionais, a título de apoio, em quantidades pequenas com o correr do tempo. Então porque não se faz isto?
 Em primeiro lugar, faz-se. Casas equipadas para uso de energia solar são construídas aqui a acolá, particularmente no Japão; mas, no conjunto, apenas ocasional e experimentalmente. O custo inicial é elevado, e a indústria da construção reluta em investir dinheiro enquanto o público, não compreendendo claramente a poupança com o correr do tempo, ou não dispondo do indispensável capital, não se mostra disposto a comprar. Outros empregos de pequena escala envolvem alambiques em que a luz solar é usada para evaporar a água do mar, de modo que água doce se condense e se acumule; envolvem também fornalhas solares, nas quais a luz solar é reflectida por um conjunto de espelhos e focalizada num determinado ponto no qual a temperatura, então, se aproxima da temperatura da superfície do Sol.
 A energia da luz solar também pode ser usada para produzir electricidade - forma bem mais flexível a delicadamente útil de energia do que o calor. Algumas composições de metais, de quantidades cuidadosamente ajustadas, podem dar origem a uma pequena corrente eléctrica durante o tempo em que estiverem expostas a luz do Sol. Estas "células solares" tem sido usadas com grande êxito para fornecer energia a satélites artificiais. Imaginem-se séries de células solares alinhadas sobre telhados, ou sobre outras superfícies expostas à luz do Sol. A electricidade poderia ser produzida em quantidades contínuas, podendo fazer funcionar utensílios. Poderia ser armazenada em baterias, e usada para iluminar edifícios à noite. É certo que as células solares são caras e são também frágeis. No momento presente, a electricidade solar seria cerca de quinhentas vezes mais cara do que a electricidade produzida por meios mais convencionais. Observe-se, porém, que as células solares têm sido produzidas em pequenas quantidades, para fins especializados. Se se fizerem esforços para produzir células mais robustas, no estilo de produção em massa, o seu preço poderá descer drasticamente.
Poderíamos então imaginar gigantescas fábricas de energia baseadas numa vasta série de células solares, cobrindo amplas áreas dos sectores da Terra em que a luz do Sol é quase continua. Acontece que estes sectores são áreas desérticas, onde há pouca vida e onde a luz solar aquece inutilmente apenas areia nua e rocha. Cerca de 12,4 milhões de quilómetros quadrados da superfície da Terra apresentam-se na forma de deserto tostado pelo Sol. Só o deserto do Saara é tão grande como os Estados Unidos. As células solares, funcionando a apenas 10 % de eficiência, requereriam 48.000 km2 de luz solar (apenas 1/250 da área desértica do mundo) para suprir as actuais necessidades de energia do mundo. Nos Estados Unidos, existem amplos sectores do sudoeste que poderiam ser usados como fontes de energia solar. Naturalmente, isto exigiria grande investimento inicial. Pode ser que os xeques do petróleo abram o caminho. No presente, eles estão reunindo a riqueza do mundo em suas mãos, a troco do petróleo que possuem, e encontram-se um tanto confusos sobre o que fazer com essa riqueza. Certamente, as nações produtoras de petróleo do Médio Oriente têm consciência de que seus recursos estão minguando, e de que, por coincidência, suas terras contêm generosos sectores dos desertos do mundo tostados do Sol. Se tiverem visão razoavelmente ampla, financiarão as pesquisas e a engenharia que transformarão seus países em centros de energia solar. Por essa forma, eles conservariam seu poder económico, a ainda ajudariam o resto do mundo, que poderia utilizar a experiência do Médio Oriente para construir fabricas eléctricas em áreas desérticas de outras partes do globo. As fábricas eléctricas baseadas em desertos da Terra talvez não sejam a última instância. A atmosfera terrestre reflecte mais de metade da energia da luz solar, remetendo-a de volta ao espaço antes que ela atinja a superfície do nosso planeta, e ainda absorve parte da que resta. Ademais, os desertos têm suas tempestades de areia, e poderiam sofrer terramotos devastadores. O simples facto de que as fábricas eléctricas ficariam a superfície da Terra significaria que elas interfeririam nas formas de vida, inclusive a humana, e vice-versa.
Há sugestões, pois, no sentido de que os dispositivos colectores de energia sejam, algum dia, levados para fora da Terra e reunidos em vários satélites artificiais, orbitantes, distribuidores de energia solar. Tais satélites poderiam absorver luz solar, à noite, sem interferência e sem perca motivada pela atmosfera terrestre. A energia que eles absorvessem poderia ser projectada para a Terra na forma de micro-ondas (como as que são usadas no radar), e, na Terra, essas micro-ondas poderiam ser captadas por antenas gigantescas.
Há trinta anos, escrevi uma história descrevendo essas fábricas de energia circulando ao redor do Sol, nas proximidades da órbita de Mercúrio, onde a energia solar é cerca de dez vezes mais concentrada do que nas proximidades da Terra. (Os "satélites fábricas de energia" eram accionados por meio de robôs, na minha história.) O conceito era, então, pura ficção científica, e ainda o é hoje, mas no terço de século intermédio, ele chegou bastante perto da praticabilidade. Quando escrevi pela primeira vez aquela história, nenhum dos escritores de ficção cientifica sequer sonhava com satélites e fábricas espaciais, e os cientistas estavam apenas começando a aprender o modo de lidar com as micro-ondas. Dentro de outro terço de século, quem sabe...
O que precisamos é da habilidade dos cientistas e engenheiros para superar os problemas práticos existentes; da resolução dos líderes políticos para apoiá-los; da capacidade do povo, em geral, para compreender as potencialidades do uso directo da energia solar, bem como da sua boa vontade em ver o dinheiro dos seus impostos usado para tal fim; e, acima de tudo, da continuidade da estabilidade da ordem social mundial, da ordem económica e do sistema tecnológico. Precisamos de visão e de alguma boa sorte, também….