07 dezembro 2018

Liberdade de pensamento, liberdade de expressão e liberdades económicas - 5


Liberdade de empresa

Esta é uma das liberdades sagradas da esfera económica defendida por todos os crentes no todo poderoso deus “mercado” em particular os defensores da doutrina política-económica conhecida por neoliberalismo: um revivalismo do liberalismo clássico dos séc. XVIII e XIX.
O liberalismo filosófico (cultural), político e económico teve os seus princípios estruturados por filósofos clássicos dos quais se salientam: David Hume, Adam Smith (considerado o pai da doutrina económica do liberalismo “capitalista”), David Ricardo, Jeremy Bentham e Wilhelm Humbolt.
Os princípios fundadores do liberalismo apoiam-se na primazia da Liberdade de Contrato e da Liberdade da Ação Económica Individual Auto-Determinada (Liberdade de Empreender).
Os seus corolários são:
- a liberdade de mercado (liberdade de transacionar títulos de propriedade ou de usufruto de bens e serviços, por simples decisão contratual bilateral)
- o direito de propriedade privada, ou seja, o direito de decidir sozinho sobre o destino de bens ou serviços de que sejam titulares.

Adicionalmente a filosofia liberal também se baseia no pressuposto da escassez generalizada dos recursos de consumo numa sociedade, tanto para uso individual como para uso coletivo. É essa escassez que justifica que os recursos necessários que não sejam passíveis de obter diretamente da natureza, tenham de ser obtidos por meio do trabalho individual e que os excessos de produção de bens ou serviços produzidos por um indivíduo possam ser trocados entre indivíduos, em regime de leilão, por negociação direta.
A esse procedimento de troca em leilão chamam mercado e ao processo de formação dos termos da troca, chamam lei da oferta e da procura.

Analisemos então a Liberdade de Empreender.

A Liberdade de Empreender também é chamada Iniciativa Privada e garante que o indivíduo pode fazer qualquer ação económica que afete a sua esfera pessoal ou a esfera dos outros indivíduos: a sociedade, desde que (e aqui está uma primeira limitação) essa ação económica se desenvolva no que chamam de ambiente de mercado livre.
Essas ações económicas situadas na sua esfera de privacidade podem enquadrar-se em quatro classes:
- a classe de consumir recursos – a pessoa como consumidor
- a classe de produzir recursos – a pessoa com produtor
- a classe de destruir recursos – a pessoa como proprietário absoluto dos bens da sua esfera de privacidade
- a classe de permutar (transacionar) recursos com ou sem contrapartida – a pessoa como comerciante
Estas quatro classes de ação económica levantam muitas interrogações sobre se pertencem exclusivamente à esfera de privacidade pessoal do ser humano.
Muitos pensadores , ( Exm: Schumpeter, em: - A Teoria do Desenvolvimento Económico ; e
; Weber enfatiza uma de suas mais importantes teses: “o capitalista moderno reinveste e faz crescer sua empresa. É para isso que trabalha e não para usufruir pessoalmente do lucro adquirido” ) defendem uma posição alternativa, considerando que toda a ação económica humana pertence à esfera social e, como tal, o seu controlo deve ser feito pelas entidades que na esfera social têm a titularidade desses direitos.
Pessoalmente entendo que o ser humano é um ser social (não nasce, nem vive de forma auto-suficiente realizando-se como pessoa em sociedade, de cuja organização, a família é o primeiro elemento).
Aliás foi já nesse sentido que escrevi já há quase 10 anos um artigo intitulado “ O Primeiro Direito ”, para justificar o direito à vida em todas as fases do desenvolvimento do ser humano, que pode ser lido em http://penanet.blogspot.com.

No ensaio “Teoria do Valor não Marxista” publicado no mesmo blog, além de precisar o conceito de valor, demonstro a sua intima relação entre este e o trabalho humano individual e a sua acumulação e transmissão entre gerações através da vida em sociedade (esfera social) desmontando e substituindo quer os conceitos clássicos do liberalismo quer os conceitos clássicos do socialismo Marxista.

Tendo como pressuposto comprovado cientificamente, que desde o nascimento até à morte o conhecimento individual (científico, tecnológico, artístico. cultural etc.) é maioritariamente adquirido da vivência social e que as suas ações das 4 classes atrás citadas, são consequências da vertente social das pessoas, podemos considerar que o ser humano é um ser social, a quem a sociedade dá de concessão esse conjunto de liberdades com limites muito bem definidos e detalhados na lei dos estados modernos.

Isto demonstra que os lemas “laissez faire” , “laissez passer” da filosofia clássica liberal adotados atualmente pelo neoliberalismo, advogando um estado minimalista e não intervencionista, são uma falácia, pois tal estado deixaria todo o funcionamento da sociedade em termos de ações económicas à mercê do acaso do relacionamento bilateral ou multilateral das pessoas e das instituições.
Já sabemos que esse relacionamento à semelhança do dos outros seres vivos, segue a regra das lutas por recursos escassos ( a lei do mais forte ) que não pretende instituir a competição como meio de aperfeiçoamento individual e social, preservando a integridade dos intervenientes, mas sim eliminar os mais fracos, os inadaptados e aqueles com menos sorte.
Isto é a concorrência!
As ações económicas não são executadas num ambiente de jogadores racionais, como advogam os liberais da escola austríaca e os neoliberais, mas sim num ambiente natural de guerra entre pessoas concorrentes, que tentam sempre adulterar as regras do jogo a seu favor e em prejuízo dos demais.
Nos estados democráticos modernos nenhuma ação pertencente às 4 classes de ação económica pode ser exercida sem limitação legal :
- Não podemos consumir tudo o que queremos e como queremos ( por exm drogas bebidas alcoólicas, medicamentos etc tem enquadramento legal restritivo)
- Não podemos produzir tudo o que queremos e como queremos e quando queremos (por exm os produtos industriais têm de cumprir normas de qualidade técnica e mesmo a produção caseira de muitos bens ou serviços é pura e simplesmente proibida)
- Não podemos destruir todos os bens de que somos titulares ( por exm não podemos destruir espécies protegidas nem edifícios de interesse público mesmo que sejam nossos)
- Não podemos transacionar todos os bens e serviços por acordo bilateral (por exm não podemos transacionar nada em mercado sem declarar e pagar os impostos respetivos, não podemos vender produtos fora de validade)

A liberdade de empresa ou de iniciativa privada é extremamente limitada pela sociedade não é um direito individual absoluto.

Q. E. D ( quod erat demonstrandum) “ como queria demonstrar” - como diria o meu professor de matemática.