22 junho 2017

Aprendizes de feiticeiro (parte 2)


Dissertação sobre certezas previsões e profecias (parte 2)

As infraestruturas cibernéticas da civilização atual

O funcionamento, a conservação  e a evolução da sociedade atual, são garantidas por:

- Sistemas de geração, armazenamento, controlo e uso de energia transformável

- Sistemas de aquisição, armazenamento e processamento da informação

- Sistemas de obtenção, armazenamento, transformação e distribuição dos materiais necessários para os seres humanos e para as outras infraestruturas anteriormente referidas.

Estes sistemas desdobram-se em componentes autónomos de menor dimensão e de âmbito mais restrito, cuja criação e funcionamento obedecem a um  desígnio ou projeto e por isso têm de ser cibernéticos. É a cibernética que garante a aderência ao projeto inicial.

Todas as infraestruturas de suporte à nossa civilização (ou redes como soe chamar-se) são redes cibernéticas, não porque sejam constituídas só por computadores ou robôs, mas sim porque são redes que obedecem a um desígnio e têm meios internos de adaptação a diferentes causas para conseguir o efeito pretendido. Estas redes têm pelo menos uma função automática de retroação (normalmente até têm muitas) que compara em permanência o estado atual do sistema, com o estado final pretendido ou com objetivos parciais incluídos no plano global.
Atendendo aos nove graus de organização da ação expressos no artigo deste Blog “ Cibernética” http://penanet.blogspot.pt , muitas das redes atuais são multiestatos  do grau 7 e algumas já incorporam funções do grau 8 (quando são redes autorreconfiguráveis).

As três classes de redes anteriormente referidas podem ser classificadas por uma ordem que atenda ao seu estado cibernético global e aos estados de algumas das suas partes constituintes.

Assim, as infraestruturas mais evoluídas, mais complexas e mais generalizadas da nossa civilização são as redes informáticas, de que a Internet dos homens e a Internet das coisas são os expoentes máximos. Estas duas redes em conjunto formam uma entidade simbiótica a que só falta incorporar processos de autoconsciência para ser considerada rede “viva” do grau cibernético oito. São constituídas por milhares de milhão de partes físicas: hardware (principalmente computadores) e por mais cem vezes esse número em componentes imateriais: software.

A segunda classe mais organizada das infraestruturas é a do circuito da energia da energia transformável. As redes relacionadas com a energia ainda estão muito pulverizadas e sem um sistema global de governo ou pelo menos de coordenação.  Podemos considerar que globalmente esta classe não ultrapassa o grau 5 e que mesmo os seus componentes mais evoluídos não passam do grau seis.

Por último temos os sistemas de obtenção, armazenamento, transformação e distribuição de matéria, que globalmente não ultrapassam o grau 2 e individualmente, apenas alguns dos seus elementos: as fábricas automatizas, conseguem atingir o grau 7. A automatização destes sistemas, constituídos por uma miríade de indústrias,  ainda tem de percorrer um longo caminho para se poder considerar coordenada globalmente. A regulação existente atualmente é a chamada regulação dos mercados que pouco mais faz do que confirmar que a produção e distribuição de bens obedece às leis do acaso e da necessidade. A sua submissão a um desígnio global é praticamente inexistente ou pelo menos muito difícil de enquadrar.

Os robôs (ou na gíria: bots, se se referem só a software ) são os seres que nestes sistemas são os responsáveis pela melhoria global do seu grau cibernético. Contudo apesar de as infraestruturas de comunicação locais (LAN) e as infraestruturas de comunicação remota (internet das coisas) já estarem em plena utilização desde há vários anos, a coordenação entre robôs está restrita ao âmbito uma empresa ou pequena associação de empresas.  A evolução sofrida nos últimos 5 anos  no domínio da Inteligência Artificial dotou os robôs de progressiva autonomia e de um grau crescente de autodeterminação. 
Daí que toda a produção e distribuição de bens e mesmo de muitos serviços ainda tem um funcionamento caótico e difícil de calcular para além do curto prazo mas está a tornar-se cada vez mais organizadas previsível .

Redes físicas versus redes virtuais

Nestas três classes de redes os processadores de informação: os programas (software) estão muito mais evoluídos ciberneticamente do que os processadores de sinais físicos (hardware). É nos processadores de informação que está a ser implementada a chamada inteligência artificial, (IA) que dota muitos desses robôs de software (bots) com capacidades cibernéticas dos graus sete e oito.

Um novo ator na sociedade e na civilização

A investigação intensiva e os resultados conhecidos das experiências já publicadas sobre processos de consciência, leva-me a pensar que no prazo máximo de vinte anos teremos máquinas e redes autoconscientes dotadas de sentimento e encoções a trabalhar em simbiose com os seres humanos, sendo essa uma marca civilizacional do futuro próximo.

E os seres humanos? Que papel vão ter?

O ser humano comum vai interagir com os sistemas de inteligência  artificial (IA) como os mágicos Merlin ou Harry Potter interagiam com os mundos fantásticos em que viviam. Dominarão os rituais e as frases “mágicas” que lhe dão o poder de “dominar” o ambiente cibernético em que estarão inseridos: serão feiticeiros.

Contudo, alguns conhecerão a existência, o funcionamento e a constituição da máquina subjacente à sociedade desse tempo e terão a capacidade de criar ou modificar desígnios: serão os criadores da magia, quais semideuses com poderes de profeta, a quem só lhes falta o poder de criar a matéria de que eles mesmos e os seus desígnios são feitos, para terem o grau cibernético nove e poderem dizer : “faça-se a luz!”.
Na terceira parte deste artigo vai ser proposta uma metodologia de abordagem do problema inicial : O universo será apenas objetivo ou poderá ser projetivo no todo ou em parte?

14 junho 2017

Aprendizes de feiticeiro - Parte 1


Dissertação sobre certezas previsões e profecias (parte 1)

Existe uma questão ainda sem reposta, que preocupou e até atormentou os espíritos mais brilhantes dos últimos milénios:

- O universo é objetivo ou projetivo?

 Ou seja, todos os factos da sua existência são determinados por causas internas já conhecidas ou passiveis de serem deduzidas a partir das propriedades gerais ou, em alternativa, pelo menos um deles foi é ou será determinado por  um desígnio desconhecido, eventualmente externo?

Primeira opção: o universo é objetivo.

Os acontecimentos regem-se por pelas leis do acaso e da necessidade. 
(Vide: Jacques Monod - O acaso e necessidade, comentários disponíveis em: https://www.skoob.com.br/livro/resenhas/23614/mais-gostaram; )

A visão determinista do universo.
Se os acontecimentos no universo se regem só por leis de necessidade, isto quer dizer que podemos estabelecer para eles um nexo causal único e uma linha evolutiva perfeitamente determinada. Ou seja, podemos ter  a certeza absoluta sobre as suas propriedades e sobre a sua história passada, presente ou futura.
Os acontecimentos são determinados apenas por leis de necessidade ou princípios de conservação das suas propriedades globais e das propriedades individuais dos seus elementos.
Como exemplo deste tipo podemos dar o caso de duas bolas presas dentro de cubo oco, que interagem apenas entre si e com as paredes, segundo as leis da mecânica clássica: há conservação da energia total, conservação da massa total, conservação do momento total e a velocidade é sempre não relativística (sempre muito menor do que a velocidade da luz) .
Se conhecermos as propriedades num dado momento ( snapshot ) poderemos calcular sempre o seu valor passado, presente ou futuro. Este tipo de universo é por definição infinito e ilimitado pelo menos na linha do tempo. Mas pode ser finito e limitado em quaisquer outras propriedades.
Considerando estes princípios primeiros: ser objetivo e, infinito e ilimitado na linha do tempo, não se pode justificar qualquer possibilidade de interferência externa com os argumentos cosmológicos  de S. Tomás de Aquino, como por exemplo:  a necessidade de um primeiro motor.
O universo é o que é por si só. Não precisa nem contempla interferências externas.
Esta visão foi muito popular no fim do sec. XIX e na maior parte do sec. XX. Contudo, as descobertas cientificas dos últimos 50 anos invalidam muitas das suas premissas e praticamente todas as conclusões das diversas teorias deterministas.
Aos cálculos necessários para saber o estado desse universo (ou de alguns dos seus elementos), em qualquer ponto espaçotemporal, chamamos cálculo de certezas,  que matematicamente representa a resolução de um sistema de N equações a N incógnitas. 
Isto quer dizer que se pode comprimir  (zipar) toda a informaçao do universo num conjunto finito. ou dizendo de outro modo, podemos ter uma Teoria do Tudo
Mas um universo objetivo pode reger-se também por leis do acaso
Ou seja, o comportamento individual dos seus elementos, pelo menos na linha do tempo, obedece às leis das probabilidades.
Neste caso o conhecimento das suas propriedades num dado momento (snapshot), é insuficiente para calcular o seu valor exato, noutro momento qualquer.
É o caso da física dos sistemas de muitos corpos (física estatística) como por exemplo o caso de um número muito grande ( mas finito ) de bolas dentro de um cubo oco, em que não se pode saber a velocidade individual de todas as bolas num dado momento, mas pode saber-se a sua velocidade média. Outro caso é ainda a face da moeda que fica visível numa sucessão suficientemente grande de lançamentos de moeda ao ar.
Os acontecimentos na linha do tempo podem ser calculados como uma função de probabilidade e o seu cálculo chama-se previsão que é afetado sempre por alguma dose de Incerteza.   Mas, mesmo assim, o universo continua a ser o que é por si só sem precisar ou contemplar interferências externas.
 
Segunda opção: universo é projetivo

Os elementos no seu conjunto ou mesmo individualmente perseguem um objetivo e os acontecimentos conjugam-se para a respetiva realização.

Existe teleonomia: (citando resumo do artigo de Cruz, José Luis Brandão, disponível em http://hdl.handle.net/10400.3/1425)

“Como acontece no processo de evolução dos seres vivos, em certos domínios da física, as transformações tornam-se mais difíceis de compreender, pois a emergência de novidades não parece susceptível de ser explicada pelo modelo determinista das suas condições iniciais ou por factores de ordem ambiental. A ligação da noção de tempo à persistência com que um traço se mantém nas progressivas flutuações a que um sistema está sujeito, e a noção de teleonomia, ligada ao mecanismo auto-regulador dos ser vivos, que se enriquece com o próprio jogo das suas transformações, alargou a influência do paradigma da evolução a certos fenómenos do mundo físico. Prigogine e Piaget debatem o fenómeno da irreversibilidade da matéria e da vida como um processo de aperfeiçoamento e não de aniquilamento.”

Havendo projeto ou objetivo a perseguir, coloca-se a questão sobre quem, ou o que, controla o rumo dos acontecimentos.
Por definição, governar ou estabelecer um rumo para a sequência os acontecimentos, significa que a função global que os descreve tem de incluir além do acaso e da necessidade, uma função adicional que espelhe a influência do resultado (acontecimentos de saída) nas causas (acontecimentos iniciais ou de entrada) . A esta função, chamamos função de realimentação ou de retroação.
É essa função que permite ao condutor corrigir o rumo de uma viatura para chegar a um destino pré-determinado. Há uma comparação permanente entre o resultado esperado e o resultado obtido, que determina os valores da correção impostos como entrada pela função de retroação.

Há duas grandes classes de visão do universo projetivo:

- O objetivo geral e muitos objetivos parciais são conhecidos e determinados por uma entidade externa ao próprio universo, que pode ou não revelá-los à humanidade.
- O objetivo geral e mesmo muitos dos objetivos parciais, não são totalmente conhecidos (apenas podemos conhecer as tendências locais no espaço e no tempo) e são determinados apenas por  causas ou entidades internas do próprio universo.
A primeira visão é a visão religiosa de criacionistas ou outros fiéis de qualquer credo. Eles consideram que existe pelo menos uma entidade externa ao universo que domina os Operadores de Criação, Modificação  e Aniquilação, de qualquer dos componentes desse universo (ou do seu todo) e das suas propriedades. A esta entidade chamam Deus. Àqueles humanos escolhidos para revelar à humanidade a vontade ou o projeto de Deus, chamam profetas (que quase sempre apresentam acontecimentos futuros impossíveis de validar no seu tempo e, raramente explicações firmes, completas e coerentes, sobre o passado ou o presente).   Não vou dissertar sobre estes profetas ou sobre as suas revelações. Isso está fora do âmbito da ciência e a sua aceitação pertence à esfera privada de cada ser humano.
A segunda visão, mesmo atualmente, é formada por um conjunto de conjeturas, quer nas premissas iniciais, quer nos traços identificadores de rumo disponíveis e suscetíveis de análise. Essas conjeturas são específicas de algumas ciências, como por exemplo:
-  Na cosmologia - a conjetura do universo holográfico
-  Na cosmologia - a conjetura do Big Bang
- Na física – A conjetura de que a velocidade da luz no vazio foi e será sempre constante e igual à velocidade da luz medida atualmente.
- Na física – A Teoria  da relatividade e a Teoria Quântica
- Na biologia – a conjetura de que os seres vivos evoluem no sentido da maximização da organização e no sentido do aumento do controlo do ambiente envolvente através do aumento da inteligência.
Muitas destas conjeturas são consideradas mesmo pilares da ciência e só as apresento aqui como meras conjeturas, porque ainda não conseguimos provar a sua validade fora do âmbito local da região espaçotemporal  do presente e do passado conhecidos.

Segundo esta visão, os cálculos para determinar o estado do universo ou de qualquer dos seus elementos no âmbito “local” podem ser também considerados previsões. No entanto penso, que podem ir muito mais além das simples previsões estatísticas.

Quando consideramos apenas o âmbito espaçotemporal local, de uma civilização de seres inteligentes que tenha desenvolvido tecnologia e máquinas cibernéticas, como fazem os seres humanos atuais, podemos aceitar a conjetura de Arthur C. Clarke (3ª lei de Clarke) que diz que: “uma tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia.”

A palavra e a noção de magia são usadas neste artigo não como sinónimo da arte circense do ilusionismo, mas no sentido que lhe é dado no artigo escrito no Blog, denominado  “A era da magia“ , http://penanet.blogspot.pt/2013/11/a-era-da-magia.html .

Assim considera-se magia toda a ação que, utilizando apenas uma quantidade mínima de informação e uma quantidade ínfima (desprezável) de energia, provoca uma alteração substantiva no estado energético ou organizacional de um sistema físico cibernético. Alteração essa, que deverá ser em termos de energia ou informação, muitas ordens de grandeza maior do que a causa que lhe deu origem. Para isso acontecer, a ação deverá ser aplicada a uma parte do universo (pelo menos local) que esteja organizada como uma máquina de processar pelo menos informação e energia, com um conjunto de estados que possa ser determinado de forma cibernética (vide “Cibernética http://penanet.blogspot.pt/2013/11/a-era-da-magia.html ” publicado neste Blog). Essa evolução de estados rumo a um futuro é pré-determinada pela ação inicial, e atinge-se por autorregulação.

Contudo, há uma classe de acontecimentos que embora implique o fornecimento mínimo de informação (basta um simples bit), e normalmente a adição de uma quantidade ínfima de energia, a um sistema não cibernético, que provocam neste uma alteração de estrutura, de estado energético e de entropia interna, através de uma reação em cadeia não controlada. Essa classe de acontecimentos chamam-se explosões (Bang) e não são nenhuma espécie de magia. Se ocorrerem numa máquina cibernética, o resultado final da explosão é a aniquilação ou morte da máquina cibernética, sendo o produto da explosão regido pelas leis do acaso e necessidade, válidas no domínio espaçotemporal final.

À ação de determinar o  futuro de um sistema cibernético chamamos profecia e ao agente da ação chamamos profeta.

Os profetas determinam o futuro por meio de magia agindo sobre sistemas mágicos cibernéticos. Todos os acontecimentos, subsequentes à ação mágica inicial, conjugam-se para atingir um estado futuro predeterminado.
A tendência verificada na história da evolução dos seres vivos é: estes tendem a maximizar a organização do seu ambiente interno e do ambiente externo envolvente, dentro do seu horizonte alcançável, à custa de um aumento global da desorganização (ou aumento da entropia universal).
O emergir da inteligência e posteriormente o desenvolvimento de uma civilização tecnológica, contribuem decisivamente para o alargamento do horizonte alcançável e, por conseguinte para o aumento da porção de universo organizado. Sendo os seres vivos máquinas cibernéticas, possuidoras de “memória, invariância reprodutiva e morfogénese autónoma”, todo o ambiente envolvente (ecossistema) tende a organizar-se como uma máquina cibernética de grandes dimensões.

Até onde a ciência pode comprovar, o desígnio (a teleonomia) dos seres vivos e do ambiente por eles criado, é: aumentar a organização de uma forma autocontrolada (diferente da dos processos de cristalização).

Nesta segunda classe  de visões do universo, este desígnio é derivado de propriedades universais internas conjugadas com leis do acaso e necessidade. O universo é projetivo por si mesmo sem necessitar de interferência externa para criar ou controlar a evolução do projeto atual. Ese objetivo é: maximizar  a velocidade global   do aumento da entropia. (no estrito cumprimento do 2º princ´ipio da termodinamica)
Todos os factos observáveis nos tempos atuais, apontam para estarmos no início da criação de um domínio local cibernético de uso geral, no nosso universo alcançável.

Assim, os seres humanos atuais, como operadores dessa máquina cibernética, têm de dominar as técnicas da magia necessária e das profecias possíveis.

E, na realidade, o homem comum atual, mesmo de forma inconsciente, comporta-se como um mágico efetuando rituais de palavras, gestos e outras ações, que “obrigam” a máquina envolvente a executar os seus desígnios. Quando dizemos ao telefone do automóvel as palavras mágicas “ Ligar casa!” e o aparelho obedece, qual porta da gruta obedecendo ao “Abre-te sésamo!” do Ali BáBá, estamos a usar magia, pois pouquíssimos de nós compreenderão o funcionamento interno de um telemóvel e muito menos o funcionamento interno de um programa interpretador de voz. Sabemos o ritual, conhecemos as consequências, mas em geral para a maioria, a máquina  cibernética que operam não passa de uma caixa preta mágica.

No entanto, todos nós adultos ou mesmo crianças, temos “super-poderes” capazes de sujeitar à nossa vontade, quase sem esforço,  máquinas muito complexas,  e …)

….Algumas delas manobram quantidades de energia gigantescas, que se forem mal usadas podem causar danos irreparáveis no domínio local onde vivemos….

Somos aprendizes de feiticeiro.

 (Na parte 2 deste artigo, analisam-se as infraestruturas que suportam a máquina cibernética global, que está a ser construída)