20 setembro 2013

Uma visão pós marxista da teoria do valor 12


Desenvolvimento económico e crescimento ou decrescimento sustentáveis

As opções de política global ou das políticas de cada país, obrigam sempre debater a questão do desenvolvimento económico e do progresso das sociedades.
Os debates em torno dessa questão nos últimos 300 anos e em particular durante o século XX e neste início do sec. XXI preencheram e ainda ocupam um lugar central nas agendas das organizações cívicas e políticas, das universidades, da comunicação social e das redes sociais.
As instituições internacionais, os governos nacionais, as organizações patronais e as organizações dos trabalhadores, a par de movimentos sociais ativistas, procuram novos paradigmas e novas fórmulas, para fazer face aos problemas económicos, sociais e ambientais do mundo contemporâneo e aos desafios que se vislumbram para o futuro próximo.
Da globalidade dos debates, das publicações e das decisões políticas e empresariais a fórmula comum - o desenvolvimento - aparece retratado nos mais diversos ângulos:
  • Humano,
  • Económico,
  • Social,
  • Cultural,
  • Local,
  • Regional,
  • Urbano,
  • Rural,
  • …...
Contudo é apresentado maioritariamente com duas propriedades muito na moda: participativo e sustentável, que têm de fazer parte do léxico de quem quiser estar incluído no “main stream”. ( anglicismo para designar aqueles que gostam de fazer parte do rebanho)

Deve-se considerar o conceito de desenvolvimento, como um conceito em permanente reconstrução, evoluindo paralelamente às mudanças de conhecimento e tecnologia, na sociedade . Por essa razão será sempre um conceito gerador de disputas, conflitos e diferentes definições, de acordo com a diversidade das escolas de pensamento.

É considerada uma verdade apriorística indiscutível, que a sociedade humana está a mudar de forma profunda e acelerada, tornando as velhas concepções e organizações rapidamente obsoletas e inadequadas às novas condições do mundo. Esta aceleração na mudança já era constatada na época do Renascimento.
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança... “
- Luís Vaz de Camões, sec VI -

Esta mudança na sociedade traz consigo a redefinição ou a substituição de conceitos, que ainda eram válidos num passado recente.
É à luz desta mudança constatada, que se vai estudar a relação entre desenvolvimento e uma visão pós marxista da Teoria do Valor.
Procurarei relacionar o desenvolvimento com o crescimento económico e explicar a evolução provável da sociedade baseada na Teoria do Valor.



Desenvolvimento e crescimento económico

Apesar de remontar ao período clássico da economia política Sec. XVIII e Sec. XIX, o debate sobre desenvolvimento e crescimento económico, reapareceu em força no início da década de 1950, no contexto do pós II Guerra Mundial, quando era preciso recuperar da devastação económica e social provocada pelos combates nos países beligerantes e das consequências provocadas na economia global.
A constatação de que eram muito diferentes os recursos materiais, usados pelos habitantes médios das diversas nações e regiões levou à classificação dos países em:
  • atrasados – aqueles que usavam muito menos recursos do que a média dos países norte-ocidentais
  • em vias de desenvolvimento – aqueles que embora usando menos recursos do que a média dos países norte-ocidentais, estavam com desenvolvimento positivo
  • desenvolvidos - aqueles que usavam recursos dentro de valores próximos da média dos países norte-ocidentais
  • líderes de desenvolvimento - os países em que simultâneamente o uso de recursos pelo habitante médio era muito superior à média norte-ocidental, o desenvolvimento era mais elevado e o nível de industrialização era maior .
Esta classificação refletia grosso modo, o nível de bem estar social, o nível da eficiência governativa em todas as suas vertentes e o nível de industrialização de cada país.

O objetivo dessa época era revitalizar a economia e aumentar o desenvolvimento. Para isso foi desenvolvida a ideia que defendia o crescimento económico baseado no aumento do uso dos recursos materiais, como meio de recuperar o atraso.
Foi a época áurea das políticas intervencionistas dos estados nas economias – a época da expansão do keynesianismo no mundo ocidental do norte e da expansão do socialismo no mundo oriental do norte. Os resultados obtidos a médio e longo prazo, por comparação dos mesmos parâmetros nas duas regiões, levam a concluir que em quase todos os países o método keynesiano deu maior desenvolvimento do que o método socialista, com iguais pontos de partida. Apenas em três parâmetros o método socialista se revelou mais eficaz: o pleno emprego; a diminuição das assimetrias de rendimento e a massificação do uso de recursos da educação, da arte e da cultura.
Na época que mediou entre 1950 e 1986, o modelos implícitos da chamada “sociedade moderna” (socialismo marxista e capitalismo keynesiano só poderiam ser alcançados se os países “atrasados” seguissem certas estratégias de mudança social e económica, pré-concebidas por cada uma das escolas. No fundo, esperava-se que os países subdesenvolvidos seguissem os modelos dos países industrializados.
“O progresso através da escala de desenvolvimento era medido, julgado e avaliado por uma nova casta de especialistas internacionais. Os países eram classificados de acordo com seu desempenho, como atletas numa pista, orientando a distribuição ou suspensão dos recursos das agências internacionais de financiamento e ajuda”. (Stavenhagen, 1985:12).

O aparecimento das críticas
As críticas a esse conceito de desenvolvimento e aos dois modelos seguidos começaram a surgir na década de 1970, lideradas pelas escolas pós-modernistas e apoiadas quase incondicionalmente pela onda de movimentos sociais emergentes como os ecologistas.
A constatação dos efeitos ambientais provocados pela industrialização e consumo de combustíveis “fósseis”, elevou o clamor das críticas a tal ponto que hoje alguns autores propõem que para manter a sustentabilidade da civilização, o modelo não deve ser de crescimento sustentável mas de decrescimento sustentável. Estas escolas defendem que se atingiu um nível de consumo de recursos que compromete a continuidade da civilização e põe mesmo em causa a sobrevivência da maioria das espécies vivas
O francês Serge Latouche é um desses autores que tece ferozes críticas à ideia de desenvolvimento do “main stream”, afirmando que se trata de um conceito sem significado, vazio de conteúdo e mesmo “fetiche” . Este autor usa o “slogan” do decrescimento(1), como contraponto à rigidez economicista do conceito de desenvolvimento, procurando criar (sic)“... uma proposta necessária para reabrir os espaços da criatividade bloqueados pelo totalitarismo economicista, desenvolvimentista e progressista”. (Latouche, 2004).
O radicalismo das posições de Latouche assumido nas suas críticas é consubstanciado numa proposta de uma forma de decrescimento para a sociedade, com o objetivo de ser abandonado o dogmatismo da “vertente económica” do desenvolvimento enquanto “fé e religião”.
Em minha opinião a posição radical deste autor e dos seus seguidores, não se adequa ao mundo em que vivemos e apresenta uma visão muito parcial do desenvolvimento do mesmo modo que fazem os adeptos da visão economicista que tanto critica. Além disso ignora as relações que, bem ou mal, estão estabelecidas entre as várias esferas da sociedade.
A simples constatação que o modo de produção capitalista pressupõe para a sua continuidade um crescimento económico infinito, que potencialmente provoca a exaustão a destruição de recursos naturais e concentração da riqueza em poucos elementos da sociedade, não nos deve levar à conclusão de que a salvação da civilização está no abandono completo da concepção de desenvolvimento como meta.
Qual será o significado de desenvolvimento?
Há também estudiosos que defendem que o conceito de desenvolvimento em si mesmo, carrega implicações de juízos de valor com uma carga emocional forte, para os quais ainda ninguém encontrou uma substituição adequada. Se o desenvolvimento significa mudança, evolução, crescimento e transformação social, colocam então as seguintes interrogações sobre o seu real significado:
  • desenvolvimento de onde para onde?
  • de quê para quê?
  • de pequeno a grande?
  • de atrasado a adiantado?
  • de simples a complexo?
  • de jovem a velho?
  • de estático a dinâmico?
  • de tradicional a moderno?
  • de pobre a rico?
  • de inferior a superior?”
    Stavenhagen, 1985:12.
    A argumentação mais frequente no “main stream” da economia é que o desenvolvimento só pode ser suportado e justificado pelo crescimento económico.
    “ Na verdade, a tendência para demonstrar com números os resultados do desenvolvimento é a norma no plano político, facilmente se associando desenvolvimento com crescimento económico, argumentando-se que tal seria capaz de reduzir a pobreza e as desigualdades reforçando a coesão social ...”. João Pinto 01-02-2007 http://desenvolve.blogspot.pt
O que nos mostra a Teoria do valor pós marxista sobre desenvolvimento crescimento e decrescimento sustentável?


Definições

Desenvolvimento
Taxa de variação temporal do uso de recursos:
  • materiais (energia, matéria e objetos - “hardware”)
  • não materiais ou “espirituais” (informação organizada – dados; informação atuante – programas - “software”; “serviços” - prestados por seres humanos ou outros seres deles dependentes)
Se a taxa é positiva temos crescimento ou progresso se a taxa é negativa temos decrescimento ou retrocesso e se é nula temos estagnação
Esta taxa pode ser considerada relativa à sociedade como um todo, à média por habitante ou ao habitante médio (aquele pertencente ao grupo mais numeroso de uma sociedade).
Para o âmbito do presente estudo consideramos o desenvolvimento de uma sociedade relacionado com o habitante médio.

Teoria do valor pós-marxista
Teoria exposta neste blogue que pretende explicar o funcionamento económico das sociedades, considerando o tempo de trabalho total socialmente necessário na fases de produção e distribuição do circuito económico, como o parâmetro determinante (mas não único) desse mesmo funcionamento, com uma formulação diferente da usada pela escola clássica de economia (em particular da marxista).

Continua ….

Referências

http://www.decroissance.org
http://www.decroissance.info
http://www.degrowth.net
http://decrescimentosustentavel.blogspot.pt/
http://desenvolve.blogspot.pt

LATOUCHE, S. O Sul e o ordinário etnocentrismo do desenvolvimento. Le Monde Diplomatique (Ed. Brasileira). Ano 5, n. 58, Nov., 2004. LATOUCHE, S. (2004a). Survivre au développement. De la décolonisation de l’imaginaire économique à la construction d’une société
alternative. Paris: Mille et Une Nuits.
STAVENHAGEN, R. (1985).
Etnodesenvolvimento: uma dimensão ignorada no pensamento desenvolvimentista. Anuário Antropológico, No 84, p. 11-44.

Nota (1)
Para Latouche decrescimento não chega a ser considerado um conceito no sentido tradicional do termo pelo que não é caso considerar-se a existência de uma “teoria do decrescimento”. Segundo ele, decrescimento é simplesmente um slogan lançado por aqueles que procedem a uma crítica radical do desenvolvimento. Para um aprofundamento da questão ver Latouche (2004a).

Uma visão pós marxista da teoria do valor 11


Para que servem os economistas

Os problemas fundamentais da economia atual enquanto ciência ou pelo menos conhecimento organizado, são explicar o funcionamento da sociedade mercantil de modo de produção capitalista 1 e dar orientações de atuação , (já que esta ciência não permite dar tecnologia):
1 – Sobre o funcionamento da sociedade humana atual em termos de “economia” , ou seja:
  • Os circuitos da circulação de bens e serviços desde a produção até à distribuição e consumo.
  • O conceito de valor e os mecanismos da sua criação e acumulação no tempo ao longo dos circuitos de circulação dos bens e serviços.
  • Os mecanismos de formação dos preços das mercadorias ao longo do circuito de circulação dos bens e serviços.
  • O dinheiro na economia e na sociedade
2 – Sobre a concentração do poder económico
3 – Sobre a repartição do rendimento e a formação dos salários
4 – Sobre as perturbações da atividade económica como a crise e a inflação
5 – Sobre o desenvolvimento económico e riqueza das nações
E ainda fazer previsões ou extrapolações para outros tipos de modo de produção possíveis em cenários futuros, sem deixar de explicar razoavelmente o passado.

Muito se escreveu sobre este tema nos últimos 2500 anos. Das dissertações dos estudiosos dos últimos duzentos anos nasceram vários ISMOS que ao longo dos tempos tentaram impor à sociedade uma organização baseada nas suas crenças, que foram quase sempre de caráter messiânico e pouco científico, por muito que os seus mentores e seguidores tivessem apregoado o contrário.
As escolas de pensamento económico sucederam-se , e depois de 1969 os prémios em memória de Alfred Nobel da economia foram todos os anos atribuídos, sem que os economistas, titulares do conhecimento acumulado neste campo, tenham conseguido responder aos cinco problemas enumerados, de modo ajustado a cada época.
Em particular as perturbações da atividade económica como a inflação e a crise continuam a criar dramas sociais e a causar debates acesos entre os economistas e entre governantes e governados, sem que se vislumbre uma solução técnica para tais “avarias” da economia.

Pergunto então, para que servem os economistas?

Nos capítulos seguintes deste ensaio procurarei dar a minha resposta fora do pensamento das correntes dominantes entre os economistas (as do “main stream atual” e as “outsiders” atuais, candidatas a entrar na corrente principal, recolhendo todo o saber que se mostre útil independentemente da “escola” de onde vier.

_________________________________________________________

  O modo de produção capitalista
Uma sociedade com modo de produção capitalista, carateriza-se principalmente por duas propriedades básicas:
  • Economia de mercado – a produção é diferente do consumo, podendo ser igual, maior, ou menor do que este, num dado intervalo de tempo. A quantidade produzida e consumida nesse intervalo de tempo não é determinada por planeamento, mas por um sistema generalizado de leilões entre produtores e consumidores (oferta e procura) – o mercado.
  • Acumulação capitalista - os recursos de capital, representando trabalho indireto - Ti, intervenientes no processo de produção crescem no tempo aumentando proporcionalmente à média da mais valia - coeficiente de oferta e procura - cOp, no intervalo considerado, multiplicada pelo número de ciclos produção - consumo no mesmo intervalo.
O crescimento do capital consegue fazer-se porque na sociedade com esse modo de produção existe uma capacidade produtiva global superior à capacidade global de consumo. 
Se considerarmos  a seguinte fórmula como uma aproximação razoável para o cálculo da formação  dos preços : 
Caq (custo de aquisição)= aTd +bTi + cOp+dFm 
em que: Td é o trabalho direto; Ti é o trabalho indireto; Op é o fator dependente da oferta e procura e Fm é o fator de monopólio; e os coeficientes a, b,c, d são tatores de ponderação, função de variáveis económicas e não apenas constates . Sobre esta fórmula ver  http://penanet.blogspot.pt/2011/10/reposicao-das-condicoes-iniciais-e.html
 
Esse crescimento faz-se por três vias:
  • Apropriação da mais valia ( cOp) gerada mercantilmente, por uma classe (a dos detentores do capital), que não a gasta toda com o seu consumo, disponibilizando o excedente material em bens e serviços, como trabalho indireto - Ti do ciclo seguinte (investimento)
  • Inserção no processo de produção, das conquistas tecnológicas que incorporam  o trabalho indireto - Ti sob a forma de máquinas com mais automatismo e conhecimento atuante – (aquela informação que devidamente processada por um sistema permite fazer coisas ou prestar serviços.)  Ou seja , aumento da produtividade.
  • Utilizando numa fase do processo produtivo, créditos sob a forma de símbolos de valor (papel moeda ou outros) , gerados numa fase anterior do mesmo processo produtivo ou numa fase atual ou anterior de outro processo produtivo. (investimento)
O crescimento atrás relatado, significa no fundo, a incorporação de mais trabalho indireto – Ti, no processo produtivo quer seja por aumento da produtividade, quer seja por investimento .