24 agosto 2022

Schrodinger 7- A Ultima resposta

A última resposta

Conto escrito especialmente para os meus filhos mais novos : Marco e Márcio que comigo partilharam as sete vidas de muitos gatos que cruzaram o nosso destino e nos fizeram e fazem companhia.

- Como o tempo passa! – pensava enquanto ia falando com os meus botões, sentado na esplanada do bar da faculdade, na véspera de mais uma festa de Halloween, dez anos depois de o meu gato, ter salvo a vida do Hugo, o meu amigo afortunado, que teve oito amigos que lhe deram dez anos das suas vidas, para que todos pudéssemos viver até aos noventa. Isto a acreditar nas palavras de Schrödinger, que nunca se engana.

Aquela esplanada era o nosso ponto de encontro nos tempos livres das aulas. Continuávamos a ser um grupo unido de amigos que partilhavam os bons e os maus momentos das suas vidas. E, essa tarde e essa noite, prometiam mais um dos momentos de felicidade partilhada:

- O dia das Bruxas ou festa do Halloween como agora é chamado.”

Já éramos demasiado crescidos para ir em grupo pelas casas a pedir: “ – Pão por Deus!” ou “-Doçura ou travessura!”, mas combinamos fazer uma exibição do Grupo dos Gatos, como já éramos conhecidos em todo o “campus” universitário, devido à imagem do gato Schrödinger, que ornamenta pelo menos uma das peças de roupa que trazemos vestidas. Preparámos uma peça de teatro dançado e cantado, uma espécie de opereta, em homenagem ao nosso ídolo e nossa mascote - o meu gato: Schrödinger .

Uma exibição ensaiada de um grupo, em que todos tínhamos pelo menos um dom artístico natural, distinguir-nos-ia da massa amorfa e abúlica, da maioria dos estudantes, cuja maior ambição nesses dias, era enfrascar-se em copos e “shots” ou em bebidas energéticas.

Essa maneira de marcar a diferença, faria com que fossemos mais uma vez notícia em toda a universidade e arredores e também faria com que as moças mais bonitas, caíssem rendidas nos nossos braços. Neste projeto não primávamos propriamente pela humildade… vejamos como nasceu a ideia.

- Manos! Eu apoio a ideia da peça dançada e cantada! Todos os projetos do Profeta estão predestinados ao sucesso!” – disse Hugo – O Imortal – como era conhecido entre nós, referindo-se a mim e ao meu dom acertar quase sempre, em qualquer previsão que fizesse.

- Além disso, espero que a Divina Providência esteja, como sempre, connosco ! “ – Disse o Super Mário, referindo-se ao meu gato.

- Com uma representação dançada e cantada, nem precisamos da ajuda da Luz do Além! Já estão no papo as sete mulheres e meia, a que cada homem do sexo masculino tem direito!” – disse Rafael: o Marialva do grupo.

- É lá ! Rafa! Essa pode ser considerada machista e homofóbica” – sentenciou Salomão – o Sábio – com mais uma das suas ponderadas e judiciosas considerações.

O Rafa não se deu por vencido e retorquiu na hora: “ Olha lá! Eu até sou feminista! Machistas são as mulheres porque procuram os machos! “ - provocando o riso ou no mínimo o sorriso entre e os amigos.

Eu visto-me de Professor Snake! – disse, antecipando-me à concorrência - E canto uma dos Purple Man!

E todos escolhemos um personagem e uma canção e combinámos uma coreografia de dança atlética, imitando os gatos, em que parodiávamos aquele grupo de atrasados mentais que se intitulavam “Doutores” e tiveram a má ideia de tentar bullying sobre o nosso grupo de caloiros, por não alinharmos na palhaçada das praxes académicas deles.

Ameaçaram-nos de pancada e outras sanções e, um gorila dentre eles, passou da agressão verbal à agressão física  tentando bater no Hugo, quando este lhe chamou “doutor polidor de esquinas”

Azar do “bicho”… Desconhecia que o Imortal nunca começava uma luta, mas que as terminava todas.

Depois de se deixar bater ao de leve, pelo primeiro murro do desajeitado gorila, esquivou-se a todos os ataques e retorquía com estaladas cantadas, na cara do palerma que, depois de apanhar umas quantas, ao som de: -“ Ui! Essa doeu!” que cantávamos em coro, sucumbiu a uma rasteira bem pregada, estatelando-se desamparado, ao comprido no chão, perante as gargalhadas sonoras do nosso grupo e os risos abafados das caloiras.

Os outros ditos “doutores”, nem sequer tentaram a defesa do “mastronço” e saíram da nossa beira de mansinho, com o rabo entre as pernas, a olhar desconfiados para trás, com evidente receio de que fossemos como eles e tentássemos persegui-los.

E, assim fizemos a nossa exibição sem sermos incomodados. Foi um sucesso retumbante pela originalidade e qualidade artística, sendo mesmo referidas pelos media locais, como exemplo a seguir, como uma alternativa para restituir às praxes académicas a dignidade que sempre deveriam ter.

É claro que as estudantes “solteiras” e não só, tentavam atrair a nossa atenção, pois ninguém nos via comprometidos, mas sim “solteirinhos e bons rapazes“. Até o namorador inveterado do Rafa que namoriscava com todas e não se comprometia com nenhuma, era disputado, para não dizer assediado, mesmo que disfarçadamente, pela maior parte das estudantes.

A nossa vida de estudante em Coimbra era uma vida feliz, e despreocupada. O nossos maiores inimigos eram: as festas, as serenatas e a permanente atração exercida pela vida boémia sobre os mais incautos: os caloiros deslocados, fora do controlo e pressão familiar eram os mais afetados. Isso tinha como consequência, a sua habitual falta de aproveitamento, no primeiro semestre dos estudos universitários.

Mas, para lá do horizonte, bem escondidas do nosso olhar, estavam a acumular -seas nuvens negras da maior tempestade que, alguma vez, atingiu a humanidade e ameaça tonar-se na sexta extinção em massa no planeta. Mas quem poderia adivinhar? ...

No nosso grupo, todos tínhamos um comportamento responsável e conseguíamos conciliar os estudos com o lazer e a prática do desporto. Embora não sendo todos do mesmo curso andávamos juntos no lazer e no voluntariado de ajuda aos estudantes de liceu com menos recursos, dando explicações presenciais ou online e na recolha e distribuição de roupa, calçado, bens alimentares e ajuda direta domiciliária a um grupo de idosos isolados.

Este nosso modo de estar na vida, depressa se tornou conhecimento público e o grupo do Gato Schrödinger não passava despercebido onde quer que fosse.

Ainda antes das Férias de Natal fui abordado por uma colega estudante do Curso de Física, que me perguntou se se referiam a nós, uns contos que vira publicados na “net“com o título : “ O Gato Schrödinger , Contos da Era da Magia “

- Chamo-me Luzia!  Lucy para os amigos! Frequento o segundo ano do curso de Física! E tu? És o Júlio, Não és? ... “

Respondi-lhe que sim, que frequentava o curso de Engenharia de Sistemas de Computadores, que o blogue era um relato da vida do nosso grupo e da nossa relação com o tal gato mágico.

Não pareceu nada convencida com a minha resposta:

- Mas,... acreditas mesmo nessas estórias de fantasia infantil? Tu, que até frequentas um curso de engenharia informática! Francamente!… ”

- Sei que parece mentira, que parece uma estória infantil da carochinha … mas… acredita quem quiser!..” - foi o meu comentário.

Sem se dar por vencida, continuou a sua cruzada contra as estórias do gato Schrödinger , perguntando de rajada:

" - Como és de informática - disse com a sobranceria dos físicos, que julgam que são os iluminados donos da Teoria do Tudo - deves conhecer quem apresentou as leis a que devem obedecer os robôs. Encolhi os ombros e abanei a cabeça, sem entender onde quereria ela chegar, além de entabular conversa comigo.

- Sabes qual foi a resposta que foi dada pelo computador universal, à última pergunta que lhe fez a Humanidade? “

A “omnisciente” aluna de física, não dominava nenhuma lei da natureza que a avisasse que essa era a minha praia... No grupo éramos fãs incondicionais de Isaac Azimov.

Para lhe demonstrar que sou mais erudito do que o que ela pensa de mim, respondi-lhe à letra:

- Sou Júlio! Sobre a outra pergunta que me fizeste deves estar a referir-te ao conto com título: “A última pergunta”, incluído no livro : “Os nove amanhãs”, publicado em 1959, onde a pergunta feita pela humanidade era:

( e citei o texto original em Inglês).

- AC, is this the end? Can this chaos not be reversed into the universe once more? Can that not be done?, " ... o AC Universal fez uma pausa e respondeu: "THERE IS A YET INSUFICIENT DATA FOR A MEANINGFULL ANSWER!"

.......

A física olhava-me embasbacada como se um “alien” tivesse ocupado o lugar do meu corpo. Aproveitei a ocasião e foi a minha vez de perguntar:

- " E tu ? Imaginas qual foi a resposta do computador universal a esta pergunta? “

Ainda sem ter recuperado da surpresa concluiu o que comecei:

'LET THERE BE LIGHT' and there was light.…”

E, para lhe provar definitivamente que mesmo não sendo um génio da física estava dentro do assunto continuei:

- O que traduzido para “Estudantês” de Coimbra do séc XXI, isso significa o mesmo que:

- Será que alguma vez se vai conseguir obter uma resposta?

Ou ainda, aplicando termos mais académicos:

-Será que podemos inverter a entropia?

Como nunca antes fizemos essa pergunta ao nosso gato mágico, vou perguntar-lhe na próxima vez que nos vier visitar. Como todos os gatos, o Schrödinger aparece quando quer e ultimamente não nos tem visitado”.

E aproveitei o interesse dela para sugerir:

- Estás convidada a passar connosco o próximo fim de semana! Pode ser que o bichano apareça e tenhas a oportunidade de o conhecer ao vivo.”

E ela disse que sim...

Perguntou o que iríamos fazer e aonde tencionávamos ir. Respondi-lhe que seria um fim de semana normal ficando por Coimbra a estudar e a fazer as nossas atividades habituais de solidariedade social e não iríamos para a “night“ na sexta nem no sábado. Também lhe disse que provavelmente na tarde do domingo seguinte receberíamos a visita dos meus pais ou de outros familiares.

Perguntou se nos podia acompanhar nas tarefas de solidariedade. Respondi-lhe que pela minha parte teria muito gosto, mas tinha de perguntar aos outros e às instituições que representávamos e depois lhe enviaria SMS a confirmar. Em voz alta chamei os meus amigos para junto de nós e perguntei: “- alguém se opõe a que a Lucy, passe o fim de semana connosco?”

O Rafa foi o primeiro a pronunciar-se:

- Só se trouxer outra amiga também!” - isto era mesmo de um Marialva inveterado. Luzia retorquiu-lhe:

- Não seja por isso ! Para ti não preciso de escolher quem trazer comigo, já tu mesmo sendo caloiro, és muito falado na faculdade! “

Continuamos a conversar e quando estava todo o grupo junto, Salomão, qual “grilo falante” e nossa voz da consciência, ditou mais uma das suas judiciosas sentenças:

- Meninos! Relembro-vos que a nossa casa só tem quatro quartos e nove camas. Quem vier, se for para dormir, terá de ficar no sofá! Portanto, é melhor que as visitas passem a noite na sua residência habitual”.

O fim de semana foi cheio de atividade, especialmente na tarde e noite de sábado. Luzia acompanhou o Bernardo e o Salomão, a pedido deste, na visita e prestação de cuidados a um casal de anciãos na cidade e duas senhoras idosas que viviam sozinhas em casebres em 3 aldeias das encostas da serra da Lousã e à noite fez-nos companhia a mim e ao Mário, nas ruas da cidade, na entrega refeições de ligeiras aos sem-abrigo. Não fizemos noitada e regressamos ao Ninho dos Gatos cerca das 23 horas. Como fomos os primeiros a chegar, tivemos o privilégio de preparar a ceia para os restantes: uma refeição leve para compensar o esforço de subir e descer a pé as ruas e vielas da cidade velha, proporcionar uns minutos de serão agradável, conversando em grupo sobre os acontecimentos do dia e preparando uma noite de sono reparador.

Todos os dias esperávamos a visita do Schrödinger, mas ele teimava em não aparecer.

Luzia, que parecia ter uma curiosidade insaciável sobre a nossa via inundou-nos de perguntas e a certa altura disse:

- No blogue uma das estórias refere-se a outro gato mágico. Portanto, são dois gatos extraterrestres a contactar convosco.”

- Não é bem assim!” - Respondeu o Bernardo, que me parecia ter ficado de olho na moça.

Esse privilégio não é para todos! O Cheshire só se deixa ver e fala com o Júlio ou com uma prima dele que é mais nova do que nós. Tem apenas treze anos e é muito esotérica.”

- O que queres dizer com esotérica? “- inquiriu Luzia

Bernardo, sempre solícito, esclareceu:

- Ela, na maior parte do tempo, parece que não é deste mundo, fala pouco com as pessoas da sua idade: isola-se muitas vezes; adivinha quando alguém está doente e avisa-a que deve ir ao médico; fala com os animais e garante que as plantas também têm sentem tristeza e alegria; é muito inteligente e culta. E, além disso, ainda possui vários dons artísticos e atléticos. Tens de a ouvir cantar, tocar e dançar e apreciar as suas pinturas. Tens mesmo de conhecê-la!”

- Como se chama? “- perguntou Luzia

- Chama-se Alexandra! “- Respondi.

Mas, nós chamamos-lhe Alexa! Como a assistente I.A. da Amazon, porque é muitíssimo inteligente. É a nossa criança mágica, depois daquela aventura no mundo do outro lado do espelho.”(1)

Passaram mais de cinco anos e o Schrödinger sem aparecer. Será que na Galáxia aconteceu alguma catástrofe universal como a ameaça global que, entretanto, se estabeleceu na Terra?

Concluímos a nossa graduação Msc (Mestrado) com brilhantes classificações, destacando-nos da média dos estudantes pela originalidade e qualidade das teses que defendemos. Os nossos professores incentivaram-nos a continuar os estudos, avançando de imediato para o Doutoramento., tal era o potencial de crescimento que anteviam para todos nós. No grupo salientavam-se:

- Salomão, mestre em Filosofia, pela sua média final de curso de 20 valores - o melhor aluno de sempre de toda a universidade – tendo conseguido essa classificação com a tese sobre a influência da cosmovisão de uma sociedade, na eficiência da transformação do conhecimento científico em tecnologia, o que segundo ele, é a melhor forma de transmitir às novas gerações o saber e o saber fazer;

- Bernardo, mestre em Biologia, pelo seu trabalho original sobre as consequências das grandes alterações climáticas em curso;

- Mário, mestre em linguística, que dominava 12 línguas e culturas, com o seu trabalho sobre a necessidade da educação humana da comunicação multisensorial e transcendental (comunicação direta de sensações e sentimentos além da tradicional linguagem verbal)

- Hugo, que se graduou como médico especialista em Neurologia com um trabalho notável sobre o combate ao envelhecimento e degeneração dos neurónios.})}

- Rafael, mestre em Economia que, por perícia ou por milagre, por entre as dezenas de namoricos que sempre cultivou, lá conseguiu elaborar uma excelente tese sobre a formação dos preços e a limitação da escassez , numa sociedade com economia circular, e modo de produção “just in time”, sem stocks significativos, onde a oferta tem capacidade de satisfazer atempadamente a procura.

A minha contribuição para a classificação e fama do grupo, com os meus modestos dezoito valores de média final de curso, foi obtida com um trabalho prático sobre a implantação de Inteligência Artificial nos edifícios residenciais interativos.

Luzia, que, entretanto, foi “adotada” pelo grupo, tornou-se namorada do Bernardo, terminou o seu doutoramento em Física teórica, com média de 19,5 valores, com a tese que demonstrou a possibilidade teórica de fusão nuclear a temperaturas mais baixas do que as existentes nas estrelas.

Estas boas notícias até poderiam levar o leitor a acreditar que vivíamos tempos áureos para Humanidade, a almejada e cantada “Era do Aquario” .  Mas a realidade mostrava uma face bem distinta: vivemos tempos de tormenta global.

Os acontecimentos catastróficos sucedem-se um após outro, de um modo que até parece que forças do destino, da natureza e divinas, se conjugam para que o mundo sofra mais do que o Egito de Ramsés II sofreu, com as sete pragas que lhe foram lançadas pelo Deus de Israel.

Estamos a caminho da sexta extinção em massa no nosso planeta. E, aparentemente, desta vez, foi o Homem quem puxou o gatilho, apesar de que, segundo a ciência, somos a primeira espécie a desenvolver uma civilização tecnológica avançada e global no nosso planeta.

Quando éramos crianças e nos apareceu o gato Schrödinger, o mundo estava consciente da necessidade da paragem urgente do consumo excessivo de combustíveis fósseis e do consumo regulado das matérias-primas escassas, mas tínhamos um futuro cheio de esperança, baseado na crença que a Ciência, a Tecnologia, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Boa Vontade, globalizadas no pós Guerra Fria, seriam suficientes para vencer qualquer obstáculo que se atravessasse no percurso esplendoroso da Humanidade .

"-Como estávamos enganados!"

As grandes catástrofes, consequências dos extremismos climáticos como o furacão Catrina que atingiu a Florida e destruiu a sua capital Nova Orleães em 2005, depressa saiam da memória das “massas”, depois de os “mass media” as retirarem das primeiras páginas.

O desaparecimento de milhares de espécies e a degradação dos grandes viveiros do planeta: como a Grande Barreira de Coral ou a Floresta Amazónica, frutos do aquecimento global acelerado, despoletado pelo consumo desregrado de combustíveis fósseis e de bens não renováveis, pouco mais captavam a atenção de pessoas, do que a dos entusiastas de documentários ou dos ativistas ecologistas.

Apenas uma escassa minoria da Humanidade, se apercebia que nos preços dos bens e serviços correntes que usufruia, não estava contemplada a parcela respeitante à compensação da respetiva pegada ecológica.

A humanidade estava e ainda continua a considerar que o custo da pegada ecológica pode ser adiado para as Calendas Gregas. O que interessa são os preços de aquisição baixos, para suportar a sociedade de consumo onde o dinheiro é o Deus, não importando a sua origem.

A paz, a concórdia mundial e a democracia liberal eram, para os povos das nações em geral, valores adquiridos,  solidamente implantados, sobre os quais já não valia a pena pensar e muito menos, ter preocupação ou agir. (se houvesse problemas o tempo os resolveria), apesar de que o cancro da intolerância e extremismos políticos e religiosos estava inexoravelmente estendendo a suas metástases por todo o corpo e órgãos das sociedades globalizadas.

Assim, a guerra no velho continente, invasão da Ukrânia pela Rússia, e a ameaça de um holocausto nuclear, abalaram de súbito uma Humanidade ainda mal refeita das sequelas da pandemia COVID19 que matou milhões de pessoas, continua a matar apesar de já termos vacinas e ainda vai continuar a ceifar vidas humanas durante os próximos anos, atingindo com gravidade principalmente os países mais pobres e as classes mais baixas.

Pelo seu começo e desenvolvimento, até parece que foi uma doença encomendada de propósito. 

Se estivesse por cá a cuidar do futuro da vida como guardião da nossa galáxia, o Omnisciente Schrödinger além de encontrar uma cura mais eficaz das pestes que nos assolam, poderia esclarecer estas minhas eternas dúvidas. Mas, ele não dá sinais de si.

No entanto no horizonte das gerações dos Millenials neste fim. do 1° quartil do sec XXI não se perfilavam futuros risonhos de céus de aura de luz dourada, nem a glória das aventuras das viagens inter-estelares cantada pelos escritores de SciFy do séc . XX.

Muito longe do cantado sonho da era do Aquário, o futuro apresenta-se como um labirinto tenebroso cheio de incertezas, perigos e ameaças, que criam aqui na Terra um cenário apocalíptico , mais assustador do que o pintado no Inferno de Dante.

Este é o legado civilizacional, a pegada ecológica, das gerações que nos precederam. Especialmente a dos nossos pais e avós.

À nossa adolescência aplica-se plenamente o refrão da canção de Rui Veloso “ Não há estrelas no céu a dourar o meu caminho...”

Todos os dias esperávamos a visita do Schrödinger, mas ele há anos que não aparecia. 

Nesse último fim de semana antes das almejadas férias escolares, estavam no Ninho dos Gatos todos os membros do nosso grupo e ainda familiares de quase todos nós. Até os meus tios e a prima Alexandra vieram com os meus pais, dar mais um passeio até Coimbra.

A hora do lanche encontrou os jovens atarefados a arrumar e fazer as malas enquanto os mais velhos saboreavam uma esplanada da baixa.

De súbito Alexa exclamou: “- o Cheshire acabou de chegar!” Olhámos, mas não víamos nada.

Lucy suplicou:"Onde está o gato? Mostra-te Che!"

No colo de Alexa apareceram apenas as malhas do gato e uns dentes arreganhados de um eterno sorriso. Quando Lucy tentou tocar-lhe, as mãos atravessaram a figura, como se esta fosse a imagem de um fantasma etéreo e não um ser vivo e sólido.

"- Que truque é este que estás tu a fazer com um holograma! Alexa? Esperas que eu me acredite!?” - Exclamou Lucy

Entretanto chegou também o Schrödinger, que contrariamente ao que lhe era habitua,l também ficou visível apenas para mim. Saí em defesa da minha prima:

-Não é truque! Os nossos gatos apresentam-se hoje, só como hologramas por opção sua! Schrödinger! Podes esclarecer a Luzia da razão de ser do holograma, em vez de te apresentares de corpo presente?

A imagem etérea de Schrödinger pairava sobre a mesa, contrariamente ao habitual anichar-se no meu colo, apresentava-se com o ar mais grave e apreensivo que eu jamais lhe vira. As suas palavras e sensações entrelaçavam-se com os meus pensamentos enquanto todos os outros apenas ouviam o som.

- Simples precaução! Este avatar minimiza a energia gasta na interação. O corpo de gato é igualmente um avatar ou acreditavas que a nossa forma física, era mesmo um corpo de gato? As regras de minimização da pegada ecológica dos Guardiões mandam que todas as interações com outros seres inteligentes ou não, sejam sempre feitas por intermédio de avatares!” Lógico! Completei “- Isso é para minimizar os riscos de segurança, ocultando aos outros qualquer informação, relevante sobre si. Em síntese, não se expor! Por causa do vosso conhecido Efeito de Borboleta! (2) Porque pelo Princípio da Incerteza, não podemos saber as consequências, das nossas pensamentos atos ou omissões. Concluindo : - Não podemos profetizar para além o nosso horizonte espaço temporal (3)

- Bem deduzido! falou o gato nos meus pensamentos, enquanto por palavras comunicava aos meus amigos, virando-se para Luzia:” - disse: - :' Razões protocolares!”

Luzia disse: Tenho tantas perguntas para te fazer!” Ao que Schrödinger replicou : “

Só me é permitido dar uma resposta! Depois despedimo-nos dos humanos para sempre”! Sou um gato jovem e já quebrei muitas regras na interação com a Humanidade.”

E nos meus pensamentos martelou uma expressão grave: “- Espero nunca me vir a arrepender!”

Luzia suplicou-nos: “- Posso ser eu a fazer a última pergunta? Posso? - sim!" -respondemos em coro sensíveis ao seu ar suplicante.

- Schrödinger!” - O que pode fazer humanidade sobreviver à extinção e integrar-se na comunidade dos mundos?

Fez-se um silêncio sepulcral, enquanto aguardávamos a resposta do Schrödinger. Apenas se ouvia o som das nossas respirações e o bater descompassado dos nossos corações.

Passados momentos que nos pareceram eternidades, ouvimos estupefactos a resposta do Schrödinger:

- Para lá daqueles montes, há outros rios , outras fontes, outras guerras outro deus, outros homens como eu, a sonhar...” - pensei :“- está a citar as palavras da letra da canção de José Cheta.” - Schrödinger continuou :

Não tenho dados suficientes para uma resposta concreta!  Contudo, para terem o futuro que querem, não deixem para amanhã o que podem fazer hoje!”

E em seguida os gatos desapareceram …

Dois rios de lágrimas grossas, nasceram dos olhos de Alexa e desciam em torrente pela face angélica desaguando no nada. Os seus olhos parados, estavam focados num infinito que ficava bem para lá do nosso horizonte. Ela via e sentia coisas que estão para além da nossa compreensão.,.

Era mesmo um ser muito especial. Talvez um dia nos pudesse explicar de forma mais detalhada o sentido da resposta que nos foi deixada pelos gatos…



(1) Conto O Gato Schrödinger 3 – A era da magia”

(2) https://www.youtube.com/watch?v=7cLqwm3zQZI

(3) Ver no blogue os artigos Aprendizes de Feiticeiro - Cálculo de Certezas, Incertezas, Previsões e Profecias"



17 março 2022

O Gato Schrodinger 2 - Constelação de Félix : o Gato no Céu

 Schrödinger 2 – Constelação de Félix : o Gato no Céu


Conto escrito em honra do Douradinho um gato da rua mais manso carinhoso e amoroso que alguma vez adotou a nossa família.


Nessa noite de Reis, fria e seca, o firmamento resplandecia iluminado pela miríade de estrelas, quais luzeiros de brilhantes, cravados na abóbada celeste.

Nunca me cansava de admirar a imensidão do universo infinito, enquanto pensava com os meus botões, se algures lá em cima, existiriam meninos como eu, a olhar as mesmas estrelas, organizadas nas suas constelações e a fazer a si mesmos as mesmas perguntas que eu fazia.

Com certeza que existiam. Tinha de perguntar ao Schrödinger , aquele gato misterioso que atravessava as paredes e fazia a magia de aparecer e desaparecer no nada. Ele tem poderes e sabe tudo, como já demonstrou ao salvar a vida do Hugo.

Ele, que já fazia parte da família, tinha-se esquecido de aparecer nesta noite de reunião familiar.

Os gatos são assim! São espíritos livres e independentes! Seguem os seus próprios desígnios... “- disse o meu pai ao jantar para me consolar, tão evidente era a minha tristeza por sentir a falta do meu amigo.

Agora depois de comido o bolo rei e as rabanadas, esgueirei-me da mesa e saí para o terraço para ver as estrelas, enquanto o resto da família jogava ao rapa, a fazer horas para a chegada do Pai Natal, que ia distribuir as prendas, que estavam à volta do presépio, ao lado do pinheiro de Natal.

Comecei a tentar identificar as constelações, dando os nomes que o meu pai me ensinou. Enquanto tentava encontrar a constelação do Dragão depois de ter descoberto as constelações das Ursas e de Orion - “O Caçador”, senti uma voz familiar a falar dentro da minha cabeça a dizer-me: “- A constelação do Dragão está ali perto da nebulosa do Olho de Gato ” .

De repente pareceu-me que estava a observar o universo através de um potente telescópio, pois os meus olhos guiados pela sua mente, focaram-se num grupo de estrelas e então vi claramente uma nuvem em forma de olho de gato com um pontinho branco no centro. Fiquei extasiado com a imagem e nem sequer me atrevi a perguntar ao Schrödinger as razões da sua tão prolongada ausência.

Mesmo assim, disse em tom de reprovação:

Schrödinger.. Tu que sabes tudo, esqueceste-te de que hoje era a ceia do dia dos Reis Magos, que foram visitar o Menino Jesus, guiados por uma estrela brilhante que apareceu no céu ?

Não obtive resposta mas comecei a sentir uma enorme tristeza. Olhei então para o Schrödinger e vi que ele estava a chorar em silêncio.

Eu nunca tinha visto um gato a chorar e até pensava que os gatos só miavam. Todavia este é especial. Até tem transmissão de pensamento, porque eu oiço a voz dele, mas o meu telefone não grava som nenhum e as outras pessoas na maior pare das vezes também não o ouvem.

Senti-me comovido e perguntei-lhe:

- Estás doente? Porque choras?

Ele respondeu:

- Foi há cinco mil anos que explodiu aquela estrela que vês no centro da nublosa, iluminando todo o céu para anunciar o nascimento do vosso Deus, três mil anos mais tarde. Na explosão engoliu todos os seus planetas, entre os quais estava o planeta original dos gatos.

E continuou :

- Todos nós já sabíamos desde há centenas de milhar de anos , que o nosso sol estava instável e poderia explodir a qualquer momento. Por isso a imensa maioria dos gatos emigrou para outras partes do universo. No entanto, alguns dos mais velhos não quiseram sair da sua casa e ficaram para acompanhar o fim da estrela que lhes tinha iluminado a vida! A minha mãe era a mais velha das que ficaram!

- Ela e muitos milhões de gatos, foram sacrificados na hora certa, para que pudesse ser anunciado aos Reis Magos da Terra o nascimento do vosso Jesus. Um Deus estranho, num planeta azul, muito estranho, onde as pessoas não sentem a magia.

Fiquei estupefacto! Não tinha palavras nem pensamentos capazes de exprimir a angústia que me encheu a alma e abalou a minha fé no nosso Salvador. Não conseguia nem consigo entender porque é que foi necessário morrer tanta gente, sem qualquer culpa, apenas para que se cumprissem as profecias.

Já sabia que depois de Jesus nascer, tinham morrido muitos meninos Judeus inocentes, mas não sabia que foi preciso morrer uma civilização de seres sábios e bondosos, para que alguém soubesse que nasceu Jesus.

Abracei-me ao Schrödinger e choramos os dois. Nessa altura, ao olhar para o céu vi que algumas estrelas formaram a figura de uma gata cuja pata acenava para nós.

E perguntei-me:

-Porque será que os humanos até baniram do Céu a constelação de Félix - O Gato?