23 outubro 2012

A mudança é um processo revolucionário

A mudança é um processo revolucionário, não é simplesmente uma evolução na continuidade. É na verdade um processo comum na vida, quer seja considerada do ponto de vista biológico, quer seja estudada do ponto de vista das organizações como as empresas. Podemos aplicar às organizações um tratamento teórico similar à 5ª teoria de Darwin (a teoria da seleção natural)1 conjugado com as leis do "acaso e da necessidade".
A mudança é sempre uma alteração radical de paradigma, seja ele :
  • organizacional, 
  • processual,
  • informação - conhecimento
  • informação produtiva - tecnologia
Precisa de condições ambientais ou de enquadramento, para ter sucesso, mas apenas como condições necessárias e não suficientes. Tem como condição necessária a pré-existência de tecnologia adaptada às novas realidades,  ou funcionalidades internas adaptáveis a essas mesmas novas realidades .

Esse processo revolucionário nas sociedades até pode ser despoletado por uma ideologia política, por uma corrente científica, por uma crença de caráter religioso, ou por uma ação individual de alguém com carisma, mas isso apenas significa que o ambiente já era propício e que o modelo de sociedade existente antes da revolução já apresentava falhas e incapacidades principalmente ao nível da adaptação rápida.

Para que o processo revolucionário se complete com sucesso ou seja para que o novo paradigma inicie e sobreviva substituindo o anterior concorrem em geral duas linhas de condições :
  • Acontecimentos iniciadores ou gatilhos
  • Ambiente interno e externo propícios antes e depois dos acontecimentos iniciadores.

1 - Pergunto-me: 
  • deve-se considerar um processo revolucionário como um processo determinístico?
  • ou deve-se considerar como um processo probabilístico? 
E se for probabilístico (como eu penso) é perfeitamente ao acaso ou podemos considerar algumas regras como as regras de evolução de sistemas complexos que evoluem coexistindo num determinado período temporal? 
O conceito de seleção natural (a que eu chamo Darwiniana por ter sido Charles Darwin que primeiro verificou e sistematizou esse tipo de evolução ao estudar a evolução das espécies ) parece-me que se pode aplicar a sistemas complexos (biológicos ou abióticos) que de qualquer modo interajam em ambientes competitivos. 
Poderemos ver como os trabalhos de Darwin influenciaram muitas áreas da ciência num resumo em que se apresentam argumentos de muitos académicos no artigo : http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,darwin-200-anos-depois,320094,0.htm



A alta classe capitalista e a classe política

Violação do poder democrático pela classe política e pela alta classe capitalista1

Estas duas frações da sociedade estão de momento unificadas sob o domínio da classe política, sendo muito difícil senão quase impossível encontrar na alta classe capitalista elementos que não pertençam à classe política.

Como já foi demonstrado em artigo anterior as empresas de capital disperso em bolsa ou seja de acesso público, muitas delas monopolistas2, são governadas por representantes eleitos em assembleia geral de acionistas onde aqueles com menos de um mínimo de ações nem sequer têm direito de voto .

( primeira violação do poder democrático na gestão do capital: nem todos podem votar apesar de todos serem detentores de capital)

Em geral a soma das ações dos membros dos conselhos de administração é muito inferior a 50% sendo valores típicos cerca de 30%.

( segunda violação do poder democrático na gestão do capital: falta de representatividade )

Em geral decidem em causa própria como nos seus próprios salários e regalias, como por exemplo: auferirem de uma remuneração baseada apenas nos lucros operacionais de curto prazo sem que fiquem acautelados os interesses de longo prazo da empresa.

( terceira violação do poder democrático na gestão do capital: autocracia sem prestação real e global de contas )

O enquadramento legal do funcionamento e da governação das empresas monopolistas é inadequado, confuso e de difícil fiscalização, em especial se esta for feita pelas agências reguladoras.
Estas agências são organismos de estado com estatuto de autarquias, com receitas próprias, com governo próprio, com estatutos próprios, com vínculos e regras laborais fora do âmbito da função pública, mas sem estatuto complementar de magistraturas, de modo a possuírem um controlo interpares, que nos estados do mundo ocidental é inexistente. Estas agências estão por isso sem o controlo direto dos cidadãos. Por essa razão as agências ( em Portugal na maioria chamam-se “Autoridades” ) são muito ineficazes e permeáveis a influências externas, em particular aos projetos ideológicos da classe politica.
Desse modo os objetivos de governação das empresas monopolistas ficam fora de controlo e confundem-se com os interesses pessoais e de grupo dos seus conselhos de administração, muito distantes da função da empresa como um dos elementos de base da sociedade e do estado.

(Assim a governação das empresas pela classe política configura a quarta violação do poder democrático na gestão do capital : totalitarismo baseado ideologicamente no endeusamento do dinheiro ou capital financeiro )


Um estado que funcione de forma sustentada seja ele estado-nação ou outro, para estar bem estruturado deve assentar pelo menos nos seguintes pilares :
  • cidadãos
  • famílias
  • comunidades não familiares ( associações culturais, religiosas, desportivas, e demais comunidades estruturadas das sociedades modernas)
  • empresas
  • enquadramento normativo dentro dos limites de um estado de direito

Devido à concentração e centralização do capital3 as empresas monopolistas apesar do seu número ser inferior à centena, no seu conjunto representam um peso na economia de mais de 10% do PIB

Quando as empresas monopolistas nalguns estados ficam sob o domínio exclusivo da classe política e à margem do controlo dos mecanismos de supervisão estatal rapidamente enveredam por uma atuação que despreza e abala os pilares fundamentais do estado, desestabilizando a economia e atacando todas as outras classes de forma roubar-lhes os poderes económico e político.
Tendo em atenção que atualmente as empresas monopolistas são multinacionais que atuam no mercado global a sua ação maléfica abrange muitos estados em simultâneo. É este o caso das multinacionais a operar no mercado Português.
A classe política que é apenas uma pequena percentagem da sociedade, tomou de assalto quatro dos cinco pilares do poder de estado :
- Poder executivo
- Poder legislativo
- Poder judicial
- Poder militar
E aliada ao poder financeiro da alta classe capitalista domina o quinto pilar : o poder económico.
A classe política é a verdadeira classe parasita e opressora pois não produz quaisquer bens e serviços úteis e vive às custas dos impostos obrigatórios lançados sobre os cidadãos das outras classes. É ainda mais perniciosa do que foi a nobreza feudal.
Por isso é que é urgente extingui-la permitindo a cada cidadão dar a sua contribuição para a administração da coisa pública.

1É habitual classificar como classe capitalista o conjunto dos membros de uma sociedade com modo de produção ou funcionamento da economia do tipo capitalista, que detêm a titularidade do capital e são remunerados em função proporção de capital que é sua propriedade, independentemente de ser um grande montante como na alta classe capitalista ou pequeno montante como nos proprietários de micro empresas comerciais, industriais ou agrícolas.
2Designam-se aqui por empresas monopolistas aquelas cujo volume de bens /serviços produzidos seja maior ou igual a 0,1% do PIB e tenham um mercado alvo interno com uma taxa de dispersão populacional/geográfica com menos de 10 concorrentes por cada cem mil habitantes
3Embora seja uma terminologia usada principalmente pelos seguidores das ideologias Marxistas pode ser usada com rigor cientifico desde que o seu âmbito seja corretamente definido e enquadrado nas situações em que é aplicada. Ver por exemplo http://www.eumed.net/libros/2008a/372/CONCENTRACAO%20E%20CENTRALIZACAO%20DE%20CAPITAL.htm
Concentração do capital significa que a propriedade ou titularidade de uma cada vez maior fatia de capital está nas mãos de um número cada vez menor de elementos da sociedade.
Centralização do capital significa que a gestão global dos capitais está também num número cada vez menor de elementos dentre aqueles que são proprietários

11 julho 2012

Mudança e Diversidade


Nos grandes processos de mudança em qualquer tipo de organização: seja um ecossistema completo, seja uma simples empresa, constata-se que há sempre uma grande alteração da diversidade em termos de componentes internos da organização enquanto se processam as alterações na sua estrutura. Para se entender as razões dessa alteração será necessário debruçarmo-nos primeiro sobre a evolução das organizações.
Todas as organizações vivas existem num ambiente de competição por recursos escassos. Isso implica concorrência ou seja, há elementos que sobrevivem íntegros e outros que morrem ou mudam.
Num ambiente estável, são condições de sobrevivência, características como:
  • maior tamanho,
  • maior rapidez,
  • maior eficiência no uso dos recursos (no fundo maior eficiência económica)
  • maior inteligência ou maior versatilidade ou multifuncionalidade,

A adaptação evolutiva mais frequente nos seres vivos ou nas organizações é o crescimento. Organizações maiores têm ganhos de “economia de escala” e ficam menos vulneráveis ao ataque de concorrentes e predadores. No fundo por aplicação da “lei dos grandes números”, as consequências dos erros são estisticamente menos destrutivas. Diz-se que os grandes seres ou as grandes organizações têm mais inércia, resistindo a qualquer condição de mudança.
Contudo nem sempre isso é acompanhado de preservação da rapidez de reação ou de multifuncionalidade. Na maior parte das vezes, à medida que os seres ou organizações se tornam grandes e conseguem posições de monopólio ou de super predadores, reforçam-se apenas algumas das características por aumento da especialização, perdendo-se funcionalidade na maioria maioria das outras. Isto corresponde a uma diminuição da diversidade interna. Os seres ou organizações estão perfeitamente adaptados e respondem com eficácia às ameaças e desafios conhecidos.
No entanto o seu comportamento perante ameaças desconhecidas conduz muitas vezes a respostas desadaptadas e frequentemente com consequências fatais para a sobrevivência.
É interessante também notar-se que quando não existe competição externa fica exacerbada a competição interna. Quando a concorrência interna se torna a competição dominante, começam a aparecer os custos dessa competição refletindo-se na eficiência global, anulando muitas vezes as vantagens da economia de escala conseguida pelo aumento de tamanho. Nestas circunstâncias ser grande é mais caro ou consome mais recursos.
Isto é o caso típico dos estados (  suas empresas e organizações) e dos monopólios internacionais, cujos custos por peça ou por operação de serviços estão muito longe do valor otimizado que se consegue por exemplo nas PME. Isto dá razão à “vox populi” : “- Um euro na mão particular vale muito mais do que na mão pública”.
É um facto curioso que quer os estados quer as empresas monopolistas (em especial as internacionais de capital disperso ou público em terminologia americana ) são governados pela mesma classe de pessoas: a “Classe Política”
Quando uma organização perde eficiência económica e diversidade, fica vulnerável às mudanças do ambiente económico ou social (por exemplo mudança de moda ou mudança de ciclo tecnológico). Nessas circunstâncias algumas empresas e organizações iniciam por razões internas ou externas um processo de mudança estrutural com:
  • Emagrecimento - diminuição de postos de trabalhos e estrutura orgânica mais simplificada e polivalente.
  • Deslocalização – colocação noutros países ou noutras localidades do mesmo país a produção de certos bens e serviços de modo a minorar o custo por peça ou por operação.
  • Fracionamento - Divisão de uma grande empresa monopolista em várias empresas de menor dimensão que passam a atuar de forma concorrencial nos mesmos mercados.
  • Diversificação de mercados – colocando força de vendas a atuar em novos mercados fora da sua área geográfica
  • Diversificação de produtos – produzindo novos produtos ou novos serviços em função das preferências de consumo ou disponibilidades tecnológicas.
Em suma: adaptações que aumentam a diversidade nas organizações permitindo-lhes uma maior eficiência e uma vantagem na luta pela sobrevivência.
Contudo existe uma situação designada por crise em que se verifica uma extinção em massa de empresas ou organizações com perda de diversidade global tanto em número de produtos e serviços como em número de empresas. Isso não se passa apenas nas organizações económicas ou sociais, passa-se também nos seres vivos e nas suas organizações: os ecossistemas.
As crises são quase sempre derivadas de condições ambientais :
  • novas tecnologias
  • novas preferências de consumo poluição do sistema económico, social e político
  • recentemente poluição do sistema financeiro como sistema que garante a produção e circulação dos símbolos de valor ou moeda
  • catástrofes naturais
  • guerras
  • falhas globais na renovação de gerações
  • falhas globais na renovação e reprodução de capital
A recuperação de uma crise demora em geral muito em termos de ciclos biológicos ou económicos e na realidade muitos anos de calendário. Felizmente para o nosso país que penso que a atual crise terá uma recuperação bem mais rápida do que a da época da extinção dos dinossáurios.

08 junho 2012

Gestão da mudança e consentimento esclarecido


A Mudança e o Consentimento Esclarecido

Nas discussões académicas sobre ética, em especial ligadas à medicina e ciências da vida está muito em voga o falar-se de consentimento esclarecido. Contudo a noção de consentimento esclarecido aplica-se a muitas mais atividades humanas como a política e a gestão, em especial na gestão dos processos de transformação das organizações designados por processos de mudança.  
O consentimento esclarecido pressupõe que o ato de deliberação seja feito por cada um, na posse de toda a informação que consiga processar e que essa deliberação possa ser competente ou seja validada aferindo-se no mínimo se a deliberação foi feita com pleno conhecimento das alternativas e dos  métodos e ferramentas disponíveis.
Qualquer processo de mudança nas organizações sociais e nas empresas, é uma revolução que passa pelo menos por 3 fases :
Fase 1 – Aparecimento de condições objectivas de necessidade ou disponibilidade ambiental para a mudança. É a altura em que aqueles que se apercebem ou pugnam por essa mudança, precisam de conquistar adeptos para a mudança e fazem-no principalmente divulgando as características ( ou como se diz nas TI : propriedades ) da nova situação muitas vezes acompanhadas de estudos comparativos entre os cenários possíveis e analise SWAT
Fase 2 – Resistência à mudança. Todas as organizações sociais e organismos vivos possuem “instintos de sobrevivência”, ou seja capacidades de manterem a sua constituição e atuação dentro de limites de preservação de identidade ( preservação de estrutura e preservação de funcionalidades). A isso podemos chamar de conservadorismo salutar,  pois impede a desagregação e morte organizacional. Esse conservadorismo não é impeditivo da evolução pois todas as organizações e organismos têm capacidades intrínsecas de resposta adaptada a variações das condições ambientais ou das condições internas. Podemos considerar que uma organização social típica como uma empresa ou um estado tem o grau cibernético 7, ou seja é capaz de redefinir os seus próprios objectivos.
Contudo a mudança implica que cumulativamente essa organização possua capacidades de alteração da sua estrutura ( em qualquer grau ) para o prosseguimento dos seus novos fins, ou seja, que possa incorporar novos membros, novos processos, que possa reciclar membros dotando-os de novas capacidades e que possa mudar processos e funções internas parando uns criando outros, modificando o que for necessário. Esta mudança estrutural e funcional para o prosseguimento dos novos fins designa-se por revolução e implica um grau cibernético 8
Nenhuma mudança se faz sem se ter vencido estas resistências naturais. Daí que quem esteja a gerir esta mudança se veja muitas vezes envolvido em lutas de poder que no caso de estados ou grandes organizações assumem mesmo o nível de guerra e não apenas competição. Na guerra existe verdadeira concorrência por recursos escassos ou limitados, ou seja, a sobrevivência de uns implica a morte de outros, enquanto que na competição os dois competidores devem sobreviver para se poder prosseguir o jogo.
Fase 3 – Consolidação da mudança .
Nesta fase em que a mudança se estende a toda a organização e às organizações interdependentes (e muitas vezes a toda a envolvente incluindo os concorrentes) a nova estrutura já tem de atuar cooperativamente, daí que os gestores e líderes da mudança têm como tarefa principal garantir a unidade dentro da multiplicidade ou seja garantir a coesão, cooperação e funcionalidades da equipa ou da organização.
Isso não é um processo determinístico e muito menos ditatorial, pois o consentimento de cada um deve ser um consentimento esclarecido. Todos os membros da organização ao seu nível, devem possuir toda a informação sobre cenários alternativos e objetivos, na quantidade e qualidade que consigam processar, que lhes permitam em cada momento uma decisão com um mínimo de indeterminação. Isto é a essência do trabalho simbiótico ou cooperativo necessário para prosseguir os novos fins mantendo integra a sua identidade.
Os seres humanos são pela sua natureza dotados de autonomia deliberativa (autodeterminados) no exercício dos seus direitos de cidadania, com pelo menos os graus de liberdade considerados na Declaração Universal dos Direitos Homem.
Além disso a evolução histórica dessa autonomia deu-se através das quatro revoluções da igualdade, sendo que na última, aquela que estamos a viver, se está a concretizar o acesso universal é igualitário aos bens do espírito, ou seja: à informação, o que permitirá  sempre a cada um, uma decisão esclarecida validável caso a caso, pela organização ou pela sociedade.
O esforço de implementação deste consentimento esclarecido nas organizações é atualmente a condição necessária para a sua atuação e sobrevivência.

Convido os leitores a lerem a dissertação do médico brasileiro Professor Doutor Paulo A. C. Fortes,
que pela sua profundidade e universalidade nos permite aprofundar os conhecimentos sobre o tema do consentimento esclarecido.

SOBRE O AUTOR

Paulo Antônio de Carvalho Fortes
Médico. Doutor em Saúde Pública, Professor da Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP.
O autor discute a manifestação da autonomia individual o consentimento esclarecido
em práticas e procedimentos relacionados à reflexão e ao estudo da bioética. Afirma como elementos
do consentimento a liberdade, a informação, a temporalidade e sua possível revogabilidade.
Ressalta a necessidade de se adotar o padrão subjetivo para que a informação a ser revelada
fundamente o consentimento esclarecido. Tece ainda considerações a respeito da
competência dos indivíduos de decidir e sobre exceções ao princípio.
UNITERMOS Consentimento esclarecido, autonomia, beneficência.
Citação
Reflexões sobre a bioética e o consentimento esclarecido
As inovações tecnológicas das últimas décadas no campo das ciências médicas e biológicas trazem em si enorme poder de intervenção sobre a vida e a natureza, obrigando a profunda reflexão bioética em razão das conseqüências advindas para os indivíduos e a sociedade. A Bioética, de caráter eminentemente multidisciplinar, compreende "o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais" (1).
A discussão e a reflexão sobre o comportamento ético em atividades de saúde não devem ser observadas, como uma rápida e apressada leitura poderia sugerir, como sendo apenas limitadas a relações e interesses meramente individuais. Ao contrário, devem ser compreendidas dentro do enfoque de responsabilidade social e ampliação dos direitos da cidadania, pois, como afirma Garrafa, sem cidadania não há saúde (2).
Por afetarem pessoas, cada decisão, procedimento ou ação abrangidos na esfera dos cuidados da saúde, envolvem princípios e valores diversos, às vezes conflituosos, podendo resultar em dilemas éticos para os profissionais de saúde. Aceitando como princípios éticos primários a autonomia, a beneficência, a não causação de dano e a justiça, como propugnado por Beauchamp & Childress (3), escolhemos reter nossa reflexão sobre aspectos relacionados ao princípio da autonomia, por ser este princípio fundamental para guiar as ações no campo da saúde.
O termo autonomia, de acordo com sua origem etimológica grega, significa autogoverno, referindo-se ao poder da pessoa de tomar decisões que afetem sua vida, sua integridade físico-psíquica, suas relações sociais. Citando novamente Beauchamp & Childress: "A pessoa autônoma é aquela que não somente delibera e escolhe seus planos, mas que é capaz de agir com base nessas deliberações" (3).
O direito moral do ser humano à autonomia gera um dever dos outros em respeitá-lo. A conquista do respeito a esse direito nas relações com os profissionais e serviços de saúde consiste em fenômeno histórico socialmente determinado, que vem deslocando paulatinamente, nas últimas décadas, a beneficência como princípio prevalente destas relações. A partir dos anos sessenta, entre outras causas, em virtude dos movimentos de defesa dos direitos fundamentais da cidadania e, especificamente, dos reivindicativos do direito à saúde e humanização dos serviços de saúde, vem-se ampliando a consciência por parte dos indivíduos de sua condição de agentes morais autônomos, desejosos de estabelecer com os profissionais de saúde relações onde ambas as partes mutuamente se necessitam e se respeitam ( 4,5,6).
O respeito à autodeterminação fundamenta-se no princípio da dignidade da natureza humana, acatando-se o imperativo categórico kantiano que afirma que o ser humano é um fim em si mesmo. O respeitar a pessoa autônoma pressupõe a aceitação do pluralismo social, não podendo ser observado apenas como um dever legal que protegeria os profissionais e serviços de saúde em matéria de responsabilidade jurídica. Respeitar a autonomia é reconhecer que ao indivíduo cabe possuir certos pontos de vista e que é ele que deve deliberar e tomar decisões seguindo seu próprio plano de vida e ação, embasado em crenças, aspirações e valores próprios, mesmo quando divirjam daqueles dominantes na sociedade (7).
Manifestação da essência do princípio da autonomia é o consentimento esclarecido. Este deve ser emitido pelo indivíduo quando de atos que afetem sua integridade físico-psíquica. Aceitamos a noção de consentimento esclarecido enquanto ato de decisão voluntária, realizado por uma pessoa competente, embasada em adequada informação e que seja capaz de deliberar tendo compreendido a informação revelada, aceitando ou recusando propostas de ação que lhe afetem ou poderão lhe afetar.
No campo das práticas que se relacionem com a saúde das pessoas tal assertiva significa que o indivíduo é quem, de forma ativa, deve autorizar as propostas a ele apresentadas e não meramente assentir a um plano diagnóstico ou terapêutico, por meio de uma atitude submissa às ordens dos profissionais de saúde.
O consentimento esclarecido deve ser recolhido anteriormente à realização de todo procedimento sobre o organismo humano de natureza física ou psíquica.
Podemos identificar a necessidade de garantí-lo em uma gama diversificada de temas que atualmente são debatidos por aqueles que se dedicam ao estudo da Bioética, como, por exemplo, nos casos de permissão das pessoas que se prestam a experimentações, na identificação das características pessoais por meio de exames genéticos, no tocante às doações in vivo ou post mortem e na recepção de órgãos e tecidos, por meio das técnicas de transplantes.
A questão se coloca em relação às atividades técnicas de reprodução assistida fecundação in vitro, doação ou recebimento de gametas, sêmen, óvulos, assim como nos procedimentos de inseminação artificial e na conservação dos embriões supranumerários advindos das técnicas de fecundação in vitro.
É também imperiosa a garantia do consentimento esclarecido nos casos de coleta e produtos de origem humana, no reconhecimento antenatal das condições de viabilidade do feto e na terapêutica intra-uterina, na identificação de pessoas por meio de suas "impressões" genéticas, nas manipulações do patrimônio genético, em situações relacionadas aos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), assim como na utilização de dados pessoais e nominativos por meio de sistemas de informatização e bancos de dados (8).
O consentimento deve ser livre, voluntário, consciente, não comportando vícios e erros. Não pode ser obtido mediante práticas de coação física, psíquica ou moral ou por meio de simulação ou práticas enganosas, ou quaisquer outras formas de manipulação impeditivas da livre manifestação da vontade pessoal.
De acordo com esses pressupostos é que, atualmente, tende a predominar o posicionamento contrário à submissão de detentos ou pessoas em situação de internamento compulsório, a experimentações científicas, pois nestas situações o seu consentimento dificilmente será livre (8, 9).
Apesar de se poder concordar com a afirmação de Loewi (10), de que a autonomia individual completa é sobretudo um ideal e não um fato concreto, é difícil imaginar que a liberdade do indivíduo possa ser total, que não exista nas relações sociais forte grau de controle. Mas, se o homem não é um ser totalmente autônomo, não significa que esteja no pólo oposto, que seja escravo das paixões ou dos fatores sociais, pois apesar de todos condicionantes sociais, o homem pode se mover dentro de uma margem própria de decisão e de ação.
Para se ter a garantia da liberdade de consentir é preciso que a práxis dos profissionais de saúde esteja imbuída da noção do respeito ao princípio da autonomia individual, pois em razão do domínio psicológico, conhecimento especializado e habilidades técnicas que possuem, eles podem inviabilizar a real manifestação da vontade da pessoa com quem se relacionam. Aceita-se que se utilizem da persuasão, mas não da coação ou da manipulação. Persuasão, entendida como a tentativa de induzir alguém por meio de apelos à razão para que livremente aceite crenças, atitudes, valores, intenções ou ações advogadas pela pessoa que persuade. Já a manipulação apresenta valor ético contrário, pois tenta fazer com que a pessoa realize o que o manipulador pretende sem saber o que ele intenta (11).
Além das restrições externas, a liberdade de consentir pode estar prejudicada por defeitos no controle decisório, devido a condições em que o indivíduo está dominado por desejos que ele não quer ter, como é o caso das pessoas em situações de agudização de alguns transtornos mentais ou sob o efeito de intoxicação por substâncias químicas, tornando as decisões e escolhas feitas não genuínas (12).
Além de ser livre, para que voluntariamente e conscientemente o indivíduo possa tomar decisões, e assim expresse seu consentimento esclarecido, aceitando ou recusando aquilo que lhe é proposto, é necessária a adequada informação.
Veatch (13), adepto das teorias deontológicas, que se fundamentam na noção do dever, considera que as pessoas têm direito à informação independentemente de sua utilidade social. Os utilitaristas, por sua vez, justificam o direito à informação nas atividades dos profissionais de saúde, pela criação de uma maior confiança dos indivíduos submetidos à relação com aqueles.
Mas para que haja um consentimento esclarecido a informação revelada deve ser compreendida, não sendo suficiente que a pessoa seja mera receptora. Informações falseadas, incompletas ou mal-entendidas podem ocasionar defeitos de raciocínio, por meio dos quais os indivíduos formam suas opiniões baseados em fatos manifestamente implausíveis e comprometem sua decisão autônoma. As informações devem ser adaptadas às circunstâncias do caso e às condições sociais, psicológicas e culturais, utilizando-se um padrão orientado para cada paciente, que denominamos de padrão subjetivo.
O padrão subjetivo requer uma abordagem informativa apropriada a cada indivíduo. A discussão sobre cada situação deve ser feita adaptando-se aos valores e expectativas psicológicas e sociais de cada pessoa, sem se ater a fórmulas padronizadas. Os
pacientes devem, segundo esta linha de raciocínio, ser considerados como únicos, não padronizáveis e o consentimento com a adequada informação deve se basear, não na escolha de uma suposta "ótima alternativa científica ou tecnológica", mas sim, "da melhor para aquela pessoa".
Esse padrão obriga o profissional de saúde a ser realmente respeitador da autonomia individual e requer que descubra, baseando-se nos conhecimentos e na arte de sua prática, o que efetivamente cada pessoa gostaria de conhecer e quanto gostaria de participar das decisões.
As informações a serem transmitidas devem ser pautadas na natureza dos procedimentos, nos objetivos diagnósticos ou terapêuticos, nas alternativas existentes para os procedimentos propostos, nas possibilidades de êxito. Devem pautar-se no balanço entre os benefícios a serem obtidos e os riscos e inconvenientes possíveis de ocorrerem, e ainda, sobre as probabilidades de alteração das condições de dor, sofrimento e de suas condições patológicas. Se for o caso, deve o paciente ser esclarecido de que o tratamento ou a prática diagnóstica é experimental ou faz parte de um protocolo de pesquisas.
A noção do conhecimento esclarecido desaprova e tece críticas a que se ministrem informações exclusivamente ou prioritariamente por escrito. A padronização das informações contradiz a busca por padrão subjetivo e geralmente visa somente o cumprimento de ritual legal (14).
As dificuldades existentes em assegurar a transmissão dos conhecimentos técnicos às pessoas leigas ou mesmo a profissionais de saúde que estejam na condição de pacientes, levam a que autores, como Weiss (15), se expressem sobre a impossibilidade da existência de um consentimento totalmente esclarecido.
Rebatendo essa tese pode-se afirmar que não há, eticamente, necessidade de que as informações prestadas sejam tecnicamente detalhadas. É suficiente que sejam leais, compreensíveis, aproximativas e inteligíveis para que a manifestação autônoma do indivíduo seja garantida (16).
Porém, ocorrem circunstâncias em que a ansiedade ou o medo a respeito das condições de saúde, o simples desinteresse, a incapacidade de compreender as informações apresentadas, ou, ainda, a extrema confiança depositada nos profissionais de saúde, levam a que os pacientes se recusem a ser informados de suas condições.
Certo que o indivíduo capaz tem o direito de não ser informado, quando assim for sua vontade expressa. O respeito ao princípio da autonomia orienta que se aceite a vontade pessoal impedindo os profissionais de saúde de lhe fornecerem informações desagradáveis e autorizando a que estes últimos tomem decisões nas situações concernentes ao seu estado de saúde, ou, ainda, devam preliminarmente consultar parentes ou amigos do paciente.
Para validar-se tal direito, o paciente deve ter clara compreensão que é dever do médico informar a ele sobre os procedimentos propostos, que tem o direito moral e legal de tomar decisões sobre seu próprio tratamento. Deve também compreender que os profissionais não podem iniciar um procedimento sem sua autorização, exceto nos casos de iminente perigo de vida. E, finalmente, que o direito de decisão inclui o de consentir ou de recusar a se submeter a determinado procedimento.
A partir do preenchimento desses pressupostos o paciente pode escolher não querer ser informado ou, alternativamente, que as informações sejam dadas a terceiros ou ainda querer emitir seu consentimento sem receber determinadas informações.
Como não existe hierarquia entre os princípios éticos, pois não possuem caráter de valor absoluto, a autonomia, assim como os outros princípios primários, pode ser suplantada em determinadas situações pela beneficência, ou pelo princípio de não causar dano.
Os utilitaristas consideram que a beneficência e o princípio de não causar dano justificam que em certas circunstâncias a informação possa ser sonegada ao paciente, ou mesmo que a ele seja ocultada a verdade. Legitimam que o profissional de saúde maneje qualitativamente ou quantitativamente as informações a serem fornecidas, e, mesmo, esteja isento de revelá-las caso possam conduzir a uma deterioração do estado físico ou psíquico do paciente, afetando a tomada de decisões.
Para a ética das conseqüências há casos em que se pode aceitar o fato de que a mentira pode trazer benefícios ao paciente, isto é, mantê-lo com saúde ou mesmo, vivo. Sua justificativa fundamenta-se na tese de que, para reparar a desintegração produzida pela enfermidade, é preciso violar até certo ponto a autonomia da pessoa, objetivando restaurá-la (17).
Este ponto enseja relevante divergência com os adeptos das teorias éticas deontológicas que não aceitam a permissão de mentir, pois entendem que a mentira violaria o princípio da autonomia e não pode ser validada eticamente (18).
A nosso ver é preciso cautela na validação do ocultamento da verdade sob alegações de perigo de que informações nem sempre bem-vindas, esperadas ou desejadas possam causar danos psicológicos. As pesquisas e análises junto aos próprios pacientes não demonstram tais assertivas (19,20).
A legitimação ética desse proceder tem servido freqüentemente para que os profissionais de saúde se escusem do penoso dever de dialogar e revelar situações desagradáveis sobre o diagnóstico ou o prognóstico. E, mesmo aceitando-se a tese da não obrigatoriedade de se revelar certas informações potencialmente danosas, isto não exclui o dever de revelar outros elementos do caso, isto é, não produz direito de que o profissional se cale sobre tudo que diz respeito aos procedimentos, técnicas e tratamentos a serem utilizados e suas conseqüências.
É ainda importante ressaltar que do ponto de vista ético a noção do consentimento esclarecido pode diferir da forma adotada pela lei e pelos tribunais (21). No terreno da ética ela é mais aprofundada porque não se limita ao simples direito à recusa, como se expressa nas normas penais brasileiras, Código Penal, art. 146, parágrafo 3º, I. Discorrendo a esse respeito, Pellegrino (6) observa que quando a autonomia chega a ter uma acentuada qualidade legalista ocorre uma tendência ao minimalismo ético, restringindo-se ao exclusivo cumprimento daquilo que é prescrito pela lei.
O terceiro elemento do consentimento diz respeito a sua temporalidade. O consentimento, quando preliminarmente recolhido, o foi dentro de determinada situação. Sendo assim, quando ocorrerem alterações significantes no panorama do estado de saúde inicial ou da causa pela qual o consentimento foi dado, este deverá ser renovado.
Em virtude desse preceito consideramos que a assinatura de termo de responsabilidade fórmula adotada pela maioria dos estabelecimentos hospitalares no ato da internação, quando o paciente ou seu representante legal declara estar ciente de todos os riscos que poderão advir das medidas adotadas durante sua estadia no estabelecimento e autoriza a realização de todos os atos que os profissionais julgarem necessários tem valor ético e legal nulos.
O consentimento não pressupõe imutabilidade e permanência, podendo ser revogado a qualquer instante por decisão voluntária, livre, consciente e esclarecida, sem que ao paciente sejam imputadas sanções morais ou legais.
O direito a ter o consentimento revogado pressupõe a inexistência de defeitos na estabilidade. A instabilidade que leva à mudança das decisões, de um momento para outro no mesmo indivíduo, pode relacionar-se com a falta de real manifestação autônoma. Todavia, como expressa o já mencionado Harris (12), é preciso muito cuidado ao se considerar que a mudança de opiniões signifique defeito de estabilidade, pois se podemos refutar decisões tomadas em outras épocas de nossas vidas, isto não quer dizer que elas tenham sido irracionais, precipitadas ou errôneas, mas que foram tomadas à luz dos conhecimentos e da visão própria de cada tempo, elas foram simplesmente diferentes das que tomaríamos hoje.
As ações dos profissionais de saúde nas situações de emergência, em que os indivíduos não conseguem exprimir suas preferências ou dar seu consentimento, fundamentam-se no princípio da beneficência, assumindo o profissional o papel de protetor natural do paciente por meio de ações positivas em favor da vida e da saúde da pessoa. Nas situações de emergência aceita-se a noção da existência de consentimento presumido ou implícito, pelo qual supõe-se que a pessoa, se estivesse de posse de sua real autonomia e capacidade, seria favorável à intervenção na tentativa de resolver causas e/ou conseqüências de suas condições de saúde.
Aliás, a inação do profissional nas circunstâncias de grave e iminente perigo de vida pode consubstanciar situação de omissão de socorro, contrariando o dever de solidariedade imposto pelo acatamento ao princípio de beneficência, Código Penal, art. 135.
Polêmica é a questão da recusa a procedimentos médicos por motivos religiosos, como nos casos dos adeptos da seita das Testemunhas de Jeová, que, mesmo em situações de risco de vida, rejeitam a possibilidade de receberem sangue. Nos anos recentes as cortes americanas e canadenses têm fundamentado suas decisões no predomínio do princípio da autonomia, acatando a recusa a transfusões sanguíneas por parte de pacientes seguidores daquela seita, quando maiores e capazes, mesmo se encontrando em situação de emergência e risco de vida (22).
Mas, contrariamente, os juízes permitem a realização do procedimento em crianças, filhas de adeptos da seita, mesmo contrariando o desejo de seus pais ou responsáveis, por considerarem que não sendo ainda possível a manifestação autônoma da criança, o direito à vida deva prevalecer sobre a manifestação da vontade parental.
Finalizando esta reflexão devemos nos deter na questão da competência dos indivíduos em decidir. Aqui observa-se a abordagem ética poder diferir das normas jurídicas. No âmbito legal presume-se que um adulto é competente até que a justiça o considere incompetente e restrinja seus direitos civis, mas no campo da ética raramente se julga uma pessoa incompetente com respeito a todas esferas de sua vida.
A abordagem ética se revela mais complexa, pois por um lado qualquer desordem emocional ou mental, e mesmo uma alteração física, pode comprometer a apreciação e a racionalidade das decisões reduzindo a autonomia do paciente, dificultando sobremaneira o estabelecimento de limites precisos de capacidade individual de entendimento, de deliberação, de escolha racional. Neste caso passa a ser necessária a diferenciação da pessoa autônoma com a possibilidade de realização de atos autônomos.
Por outro lado, mesmo os indivíduos considerados incapazes para certas decisões ou campos de atuação, não o são para tomar decisões em outras. O julgamento de incompetência deve ser dirigido a cada ação particular e não a todas as decisões que a pessoa, mesmo aquela considerada legalmente como incompetente, deva tomar (3).
A pessoa acometida de transtornos mentais, assim como os indivíduos retidos em estabelecimentos hospitalares ou de custódia, não devem ser vistos como totalmente afetados em sua capacidade decisional. O simples fato da existência do diagnóstico de uma doença mental não implica que ocorra incapacidade do indivíduo para todas as decisões a serem tomadas com respeito à sua saúde ou vida (23, 24).
Deve-se ainda salientar que a autonomia do paciente, não sendo um direito moral absoluto, poderá vir a se confrontar com a do profissional de saúde. Este pode, por razões éticas, se opor aos desejos do paciente de verem realizados certos procedimentos, tais como técnicas de reprodução assistida ou eutanásia.
Finalmente, embora possamos concordar com Drane (25), ao afirmar que apesar de existirem acordos quanto aos princípios éticos a aplicação destes em casos concretos é tarefa difícil e delicada, julgamos necessário que cada vez mais as políticas de saúde e as políticas educacionais orientadas à formação dos profissionais de saúde estejam voltadas à redução das violações contra os princípios éticos, tal como o cotidiano dos serviços de saúde facilmente demonstra, caminhando para a construção de um sistema de saúde comprometido com uma prática mais humanista.
Abstract - Reflections on Bioethics and Informed Consent
The author discusses the expression of individual autonomy - the informed consent of practices and procedures concerning the reflection and the study on bioethics. The author sets out as elements of a consent the liberty, the information, the temporal aspects and its possible revocation. He emphasizes the need for adopting a subjective pattern, so as the information to be revealed can serve as the basis of the informed consent. Finally, he makes some considerations on the competence of individuals to decide upon this matter and the exceptions to ethical principles.Referências Bibliográficas
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  2. Garrafa V. Desafios éticos na política de recursos humanos frente às necessidades de saúde. Cadernos RH Saúde 1994;1(3): 9-18.
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  5. Deliege D, Leroy X. Humanisons les hôpitaux. Paris: Maloine, 1978.
  6. Pellegrino ED. La relación entre la autonomia y la integridad en la ética médica. In: Organización Panamericana de la Salud. Bioetica: temas y perspectivas. Washington: OPAS, 1990: 8-17. (OPAS - Publicación científica, nº 527).
  7. Gracia D. La bioética médica. In: Organización Panamericana de la Salud. Bioetica: temas y perspectivas. Washington: OPAS, 1990: 3-7. (OPAS - Publicación científica, nº 527).
  8. Mattei JF. La vie en questions: pour une éthique biomédicale. Paris: Documentatiom Française, 1994.
  9. Vieira S, Hossne WS. Experimentação com seres humanos. 2.ed. São Paulo:Moderna, 1987.
  10. Loewi EH. Textbook of medical ethics. New York: Plenum Medical Book Company, 1989.
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  12. Harris J. The value of life: an introduction to medical ethics. London: Routledge & Kegan Paul, 1985.
  13. Veatch RM. Medical ethics. Boston: Jones and Bartlett Publishers, 1989: 1-26.
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  17. Konrad MS. A defense of medical paternalism maximizing patient's autonomy. In: Edwards RB, Graber GC. Bioethics. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich Publishers, 1988: 141-50.
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  21. Fortes PAC. A responsabilidade médica nos tribunais [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1994.
  22. Jonsen AR, Siegler M, Winsdale WJ. Clinical ethics. 2.ed. New York: Macmillan Publishing Company, 1989.
  23. Kantor JE. Medical ethics for physicians-in-training. New York: Plenum Medical Book Company, 1989.
  24. Pitta AMF, Dallari SG. A cidadania dos doentes mentais no sistema de saúde do Brasil. Saúde em Debate 1992;36: 19-23.
  25. Drane JF. Competency to give an informed consent. JAMA 1984;252: 925-7.
Endereço para correspondência:
Faculdade de Saúde Pública USP
Av. Dr. Arnaldo, 715
01246-904 São Paulo-SP

05 junho 2012

A mudança na era da quarta revolução da igualdade

O QUE MUDOU NO sec. XXI
Mudaram os países
Mudaram as sociedades e as relações sociais
Mudou a tecnologia
Mudou a relação laboral
Mudou o tipo de habilitações requerido para o exercício da profissão
Apareceu um novo actor no mundo do trabalho
Mudou o ambiente económico e empresarial

MUDOU A SITUAÇÃO LABORAL
A profissão

A carreira de um profissional já não é de aprendiz ou estagiário até chefe.
As empresas pretendem profissionais com a máxima qualificação logo no primeiro emprego.
Muitas vezes os empregadores e a legislação, exigem dos trabalhadores certificações sectoriais de marca ou CAP (Certificado de Aptidão Profissional) específico, por exm: energia solar térmica, ITED, ITUR, HSST, RCCTE etc.
Os mais antigos na profissão confrontam-se com a competição e mesmo a concorrência dos mais novos
O contrato individual substitui cada vez mais o contrato colectivo.

MUDOU O TIPO DE HABILITAÇÕES

A certificação

O que se aprendeu na escola e a experiência prática acumulada com os anos, não chega.
É necessária a certificação profissional em aspectos específicos.
É necessário “o saber certificado” em aspectos horizontais da profissão mas também em aspectos verticais do sector.
É necessária a certificação em aspectos complementares ou actualmente afins como por exm : “ Higiene Segurança e Saúde no Trabalho”
Muitas vezes os empregadores pedem o curso superior como habilitação base para lugares técnicos e pagam de entrada pouco acima do salário mínimo.

MUDOU O AMBIENTE ECONÓMICO

A globalização

A economia tornou-se global.
A concorrência não é apenas entre empresas nacionais mas principalmente com empresas multinacionais.
O profissional enfrenta a concorrência de profissionais imigrantes que se apresentam ao trabalho por menor custo.
Há uma pressão enorme e global para a redução de custos de exploração
É permanente a busca pela excelência:
         Mais barato
         Melhor
         Mais rápido
A energia é cada vez mais um bem escasso e mais caro. Requer-se eficiência no seu uso

ENTROU NA CENA DA VIDA UM NOVO ACTOR

O autómato

No mundo do trabalho apareceu e consolidou-se como regra:
     A tele-medida,
     A tele-acção,
     O tele-diagnóstico
     O automatismo: (ATM - automatismo bancário-Multibanco;     vending- máquinas automáticas de vendas; robots-máquinas industriais ou domésticas  automáticas com “inteligência”)
     O tele-escritório de atendimento (visual contact-center )
     Os e-cursos  - aprendizagem via internet
     As redes sociais de comunicação como ponto de recrutamento
   
  Os sistemas automáticos de supervisão e controlo de partes importantes da rede de produção e comercialização de bens e serviços, são hoje uma realidade.
  Exige-se do profissional técnico a capacidade e o saber para operar e colaborar com os sistemas automáticos.

O PROFISSIONAL E A PROFISSÃO 

Atitude

Tem de acompanhar a EVOLUÇÃO
Tem de estar preparado para estudar toda a vida
Tem de possuir Habilitações Certificadas antes mesmo de precisar delas para o uso quotidiano.
Tem de controlar ou trabalhar não apenas com equipas da sua empresa, mas cada vez mais com prestadores de serviços externos de variadas especialidades muitas vezes actuando por intervenção remota.

O profissional actual
Realmente o que distingue um profissional de um homem comum é o seu treino e a sua aptidão para aprendizagem contínua, em sincronismo com os ciclos tecnológicos.
( Que por exemplo no caso das TI e na electrónica é actualmente de período inferior a um ano e nas energias renováveis por exemplo em geral é de cerca de 2 anos, no vestuário e calçado de menos de 5 anos e na prestação de serviços a mudança acelerada colocou o ciclo tecnológico em cerca de 2 anos com tendência a diminuir)‏

A aprendizagem
Aprendizagem de conhecimentos específicos ou técnicos
Aprendizagem comportamentos: acumulação de bom senso
Deve manter o espírito curioso e aberto à evolução
Deve acompanhar os ciclos de evolução tecnológica na época da revolução cientifico-técnica


O percurso profissional
O Percurso profissional previsível é de muito poucos anos
Há um risco permanente de obsolescência precoce


21 maio 2012

Uma visão pós marxista da Teoria do Valor 3

Enriquecimento global da sociedade: valor,  capital e preço.
 
Os pensadores e economistas modernos demonstraram que se seguirmos uma linha normal de incorporação do valor nos bens e serviços produzidos por uma sociedade com mercado em
funcionamento não interferido ( anárquico, aleatório e não regulado) , temos o preço dos bens e serviços a diminuir no tempo em paralelo com a melhoria tecnológica fomentadora do aumento de
produtividade   Isto está bem descrito em publicações sobre " The Long Tail" ou "Free" .
O enriquecimento da sociedade pode então ser visto como a disponibilidade universal, crescente de mais bens e serviços por um preço tendencialmente decrescente. Mas se nos últimos cinquenta anos podemos apresentar muitos exemplos que confirmam esta ideia, também podemos apresentar factos que parecem apontar em sentido contrário como o fenómeno da inflação.
Estará a sociedade globalmente a enriquecer à medida que o tempo passa, ou não? Ou será o inverso?
Em publicaçãoanterior neste Blog demonstrou-se que o o valor comercial ou preço dos bens e serviços , continha uma série de fatores de custo onde era necessário incorporar trabalho humano
presente ou direto, (trabalho humano remunerado na produção atual) e não presente ou indireto (já  remunerado em produções ou gerações anteriores).
Também se demonstrou que entre esses fatores de custo (todos os fatores que obrigam à existência de trabalho humano para serem obtidos), havia um muito especial que era o “custo da reposição das condições iniciais”, que deverá estar obrigatoriamente pago no fim do ciclo de vida dos bens, ou do ciclo social de uso dos serviços, sob a pena de constituição de uma dívida para o futuro. É a “reposição das condições iniciais” que garante a continuidade social, a continuidade da atividade económica e mesmo a continuidade da vida como a conhecemos.
A contribuição de cada um dos seres humanos e da sociedade no global constituindo um fundo, para o pagamento desse custo, é uma das condições necessárias para a sobrevivência da Humanidade,
enquadrada nos ecossistemas globais que conhecemos.
Ao longo de muitas épocas da história verificou-se que uma parte considerável desse custo foi sistematicamente passada para as gerações futuras, formando uma dívida dessas gerações
descendentes ou sucedâneas da geração consumidora. E então podemos perguntar-nos : isso não comprometeu a solidariedade intergeracional e mesmo a continuidade da organização social?
É compreensível esta dúvida, pois as gerações pagadoras muitas vezes não são usufrutuarias daquilo que pagam, em especial se viverem fora do ciclo de vida dos bens ou do ciclo de uso dos
serviços.
Pode-se demonstrar matematicamente que fazendo transitar sistematicamente custos para o futuro ( fazendo sempre dívidas com maturidade futura ), haverá sempre uma data, em que a geração ativa da altura, não terá condições para o seu pagamento ( por falta de membros em número suficiente ou de capacidade produtiva), produzindo-se então uma rutura na sociedade ou na vida.
Então de que depende a capacidade de pagamento dos custos de uma sociedade numa dada época ?
A resposta intuitiva é: depende da sua capacidade produtiva ou produtividade! A resposta técnica em termos de economia será depende do rácio 1/(Trabalho Humano total - Tabalho Humano ausente) ou seja depende da taxa de produtividade de tal forma que essa produtividade compense a soma dos custos da dívida da reposição das condições iniciais, mais os custos do pagamento do trabalho humano presente nessa época e ainda faça um legado às sociedades futuras de um excedente, economia ou aforro, sob a forma de bens não perecíveis ou de uma taxa de produtividade superior à da sua época. Isto quer dizer que pelo mesmo trabalho qualquer geração futura usufrui de mais bens ou serviços do que a geração anterior, sendo de facto mais rica. Uma taxa de produtividade superior de longo termo, depende actualmente de modo quase exclusivo da taxa de automatização (ou robotização) do trabalho.
Em tempos passados os excedentes, economias ou aforros, eram feitos de stocks de bens duráveis ou seja mercadorias transacionáveis vivas como:
•os animais domésticos
•do stock de escravos (os robots do passado)
ou inanimadas como:
•moeda feita de metais preciosos,
•comestíveis,
•ferramentas,
•casas,
•infraestruturas de comunicação,
•de território para caça,
•de território para exploração agrícola,
•de território para exploração do subsolo,
•e outros
E a transformação do papel moeda e outros símbolos do valor, incluindo os símbolos eletrónicos pode também ser considerada como stock, aforro ou economia correspondente à nossa contribuição para o pagamento da dívida na sua maturidade ou vencimento?
A questão de se saber se o dinheiro pode ser um legado para o futuro, será o tema de um próximo artigo.
De qualquer modo a resposta já foi dada por um chefe aborígene australiano e foi do seguinte teor:
- “ quando desaparecer o último animal, a última planta e a última gota de água própria para beber, o homem branco vai compreender que o dinheiro não se come ”.

Continua.......
 

07 maio 2012

Uma visão pós marxista da Teoria do Valor - 2

Na  primeira reflexão sobre este tema (neste blog) apresentou-se o ponto de situação sobre o valor comercial dos bens e serviços  dado pela ciência económica no sec. IXX segundo a corrente de pensamento marxista e mantido pela maioria das correntes científicas durante quase todo o sec. XX.
Uma outra linha de pensamento, mais antiga, mas constantemente renascida e remodelada ao longo do último século e meio - a corrente liberal - não considera o trabalho humano como principal determinante do preço ou valor das mercadorias, mas sim a "lei da oferta e da procura" . Esta teoria, modela a sociedade humana do ponto de vista económico: (os mercados), como conjuntos de jogadores jogando um jogo, que funciona segundo as regras da "teoria dos jogos de Pareto".
Uma das grandes conclusões desta teoria é que os mercados são sistemas que possuem mecanismos intrínsecos de auto-regulação, tendendo pendularmente para o equilíbrio, reagindo a qualquer perturbação que os afaste desse equilíbrio, segundo um percurso cíclico representativo da atividade económica, tipo oscilação amortecida (os ciclos económicos).
Segundo esta escola o valor das mercadorias não tem um fórmula que o determine - é aleatório dependente das oscilações do mercado segundo a lei da oferta e da procura. Para eles o trabalho humano é apenas um fator de custo entre outros. Assim se tentarmos exprimir matematicamente o preço Preço=custo(s)+lucro(s) sendo que o objetivo dos agentes económicos (os jogadores do tabuleiro económico é apenas maximizar o lucro global.
Esta escola económica designa-se por capitalista liberal, pois advoga que a sociedade do ponto de vista económico deve funcionar de modo autónomo com um mínimo de interferência da Lei do Estado, que apenas deve garantir a "livre concorrência"

Pode-se sintetizar o pensamento protagonizado pelas escolas económicas do sec. XX organizando-o em dois grandes grupos em função da fórmula escolhida para o valor.
Estes grupos são:
- O grupo do pensamento liberal
- O grupo do pensamento marxista

É evidente que existiram e existem ainda uma miríade de escolas de pensamento misto, sintético ou centrista, que incorporam na sua filosofia mais ou menos elementos de um ou de outro dos grandes grupos, contudo não acrescentam nada realmente novo ao pensamento económico e são apenas suporte da acção política casuística de grupos ou partidos.

continua .....

06 maio 2012

A educação e o interesse do estado

Um estado que sirva a generalidade dos seus cidadãos e que não sirva apenas para ser coutada ou asilo da classe política, deve ter um funcionamento economicamente eficiente e promover um desenvolvimento sustentável. Para isso precisa de suportar as suas despesas com receitas equivalentes ou superiores e precisa ainda de criar estruturas de acumulação (poupança) de capital que privilegiem a produção global de bens e serviços com custos decrescentes (ou pelo menos mais serviços e mais ou melhores bens pelo mesmo custo)
Isso significa um estado que promova o enriquecimento da população em vez do seu empobrecimento como fez e faz o estado Português sob a orientação dos governos da últimas décadas.
O valor comercial dos bens e serviços depende de forma determinante da proporção entre trabalho humano direto e trabalho humano indireto neles incorporada. Quanto maior for o trabalho humano indireto ( ausente ou não pago à geração produtora atual) menor será o preço dos bens e serviços (vide no meu blog "uma visão pós-marxista da teoria do valor 1 e 2 " e o trabalho nos livros "The long tail" e "Free" do economista norte americano Chris Anderson.
O aumento do trabalho humano indireto consegue-se de três maneiras :
1- Aumentando a automatização ou robotização do processo produtivo
2- Aumentando o volume de conhecimentos científicos e tecnológicos nas gerações produtoras
3- Aumentando a incorporação nacional de produção cientifica e técnica nos produtos consumidos em detrimento da sua importação direta no ato de fabrico ou indireta na importação de bens e serviços tecnologicamente evoluídos

Para o estado ter mais receitas é preciso que a sociedade produza mais valor ou seja que incorpore o máximo de trabalho humano na produção de bens transacionáveis, quer por intermédio da maximização do número de cidadãos empregados quer por intermédio da maximização da qualidade tecnológica do trabalho da geração ativa.
Assim se demonstra que um estado que deseje aumentar as suas receitas tem de promover a educação tecnológica contínua da sua geração ativa e tem igualmente de promover a educação tecnológica o mais elevada possível para a geração pré-ativa.

A educação não é uma despesa do estado mas sim um investimento. Sendo um investimento com um ROI potencial elevado, deve ser muito cuidado para maximizar os resultados.

Parece que os políticos atuais,  a contas com o pagamento das dívidas sociais criadas por uma política contínua  de desleixo e corrupção,  por uma especulação bancária desenfreada e por uma gestão danosa do sistema financeiro, não vêem ou não querem ver esta evidência.

Ao desinvestir na educação tecnológica e na formação profissional, os políticos, os governantes e os empresários estão impedir o seu uso, como alavanca para um desenvolvimento sustentável do país, governado por um estado com as contas equilibradas.

1)      vide no meu blog "uma visão pós-marxista da teoria do valor 1 e 2 " e a demonstração nos livros "The long tail" e "Free" do economista norte americano Chris Anderson.

Uma Terra sem gelo

O artigo "UM MUNDO SEM GELO" publicado na National Geographic (PT) de Maio de 2012 deixa preocupados, senão estarrecidos, aqueles que ainda têm o hábito de pensar.
O artigo fala de épocas geológicas anteriores ao Homem em que comprovadamente se verificou um período de aquecimento global do nosso planeta, documentando em especial o MTPE ( Máximo Térmico do Paleoceno Eoceno ) que aconteceu há cerca de 56 milhões de anos ( cerca de 10 milhões de anos depois da extinção maciça coincidente com a extinção dos dinosaurios).
Os estudos dos investigadores actuais, apontam para um período de 150 mil anos seguintes a uma injeção maciça de carbono na atmosfera, de que derivou um grande aumento da temperatura média do planeta em terra mar e ar, tendo-se derretido todos os gelos polares, com subida do nível do mar a cerca de 80 m acima do nível actual.
A partir dessa altura a vida nunca mais foi a mesma: extinguiram-se muitas espécies e nasceram outras. A geografia planetária ficou muito diferente em função da subida do nível das águas.
Se fosse na atualidade a maioria das cidades mais populosas e um grande número de países seriam verdadeiramente varridos do mapa. Em seu lugar existiriam apenas mares lagos ou pântanos.
 A civilização humana provavelmente não sobreviveria tal como a conhecemos. A nossa espécie e as espécies diretamente dependentes de nós ( os animais domésticos e as plantas que usamos na alimentação em particular as gramíneas como o trigo arroz ou o milho ) veriam o seu número e importância drasticamente reduzidos ou enfrentariam mesmo a extinção.
E tudo por causa do aquecimento global.
No tempo do MTPE não foi a queima de combustíveis fósseis que foi responsável por essa catástrofe. Suspeita-se que foi a libertação generalizada do metano que estava armazenado há milhões e milhões de anos nos fundos marinhos sob a forma de hidrato de metano. Esse hidrato de metano existe de forma natural no fundo do oceano, sob uma forma de metano congelado mais conhecida como "gelo que queima".
 Foi libertada para a atmosfera uma quantidade de carbono equivalente à que corresponde ao consumo de combustíveis fósseis pela humanidade mais o que ainda está armazenado nas reservas conhecidas.
O hidrato de metano só é estável numa faixa de temperaturas muito baixas cerca de 5º C  e basta uma subida da temperatura de menos de 2º para o metano se libertar e borbulhar em cachão até à superfície. Como o metano tem um poder de "efeito de estufa" cerca de 20 vezes superior ao do CO2, facilmente se deduz que uma vez iniciada a sua libertação generalizada se forma um ciclo vicioso que só termina com o esgotamento do hidrato de metano dos fundos marinhos tendo como consequência direta, um estado do clima do planeta semelhante ao ocorrido no MTPE.
As reservas marinhas estimadas para o hidrato de metano são superiores à reservas conhecidas de petróleo mais gás natural (vide http://www.sorryaboutthat.net/methane_hydrate.html ) e já despertam a gula de companhias petrolíferas e de países como os USA para serem usadas como combustível barato em substituição do petróleo.
No MTPE o gatilho parecem ter sido os vulcões da espinha dorsal atlântica norte. Vide http://www.livescience.com/1481-volcanoes-triggered-ancient-warming-event.html
E o aquecimento global atual?....
Será que a Humanidade também já carregou no gatilho?
Se for verdade, com o nível de conhecimentos e tecnologia atuais nem a "água seca" nos poderá salvar...