24 dezembro 2019

O gato Schrodinger 4


Schrodinger 4 - No Lago Encantado
(conto de  Varão em honra dos meus gatos Floco e Cacau recentemente falecidos com quase 17 anos)

Há muitas florestas neste mundo que,antigamente, eram habitadas por duendes, gnomos, elfos e outros seres mitológicos mágicos mas que, agora, longe dos tempos da magia, não têm mais do que os pássaros e animais comuns. 
Mas este lago e a floresta que o circunda, pareceram-me especiais logo que os vi. Aqui, sente-se que a magia ainda está presente. Quando entrei nas suas águas amenas, pareceu-me ouvir uma voz que me dizia baixinho: 
“-Eu estou aqui!” Olhei em volta e não ouvi nem vi ninguém. 
Mesmo os animais da floresta estavam em silêncio. “Que estranho!”- pensei. - “Uma floresta silenciosa!” Mas quem seria que me falou? Ou estaria eu a ter ilusões por causa de um qualquer odor de planta? Será que poderia ser o Espírito do Lago? 
Estávamos neste lugar em família, mas sem um dos seus membros: o meu gato Schrodinger, que por qualquer razão apenas conhecida dos gatos, uma vez mais, tinha deixado de aparecer. 
Já tenho saudades do meu gato que fala e tem poderes mágicos e, acima de tudo, tem uma sabedoria infinita. Ele com certeza teria uma explicação razoável para o que me tinha acontecido.
Contudo, depressa esqueci este acontecimento e dediquei-me a desfrutar das águas calmas e tépidas, enquanto nadava. Toda a gente estava na água e ninguém parecia ter ouvido ou notado algo estranho. Mas, de repente, ouvi novamente aquela voz: 
- “ Eu estou aqui! - ao olhar em volta, senti-me no mesmo lago mas agora sozinho e as árvores eram outras, como se tivessem trocado o cenário, num filme ou numa cena de teatro. 
Na minha direção, a nadar, vinha um animal enorme, com a sua boca cheia de dentes afiados como facas. Dei um grito de terror, pensei que ia morrer e desmaiei. 
Acordei rodeado pelo meu pai e irmãos a abanar-me a cara e a dizer: 
“ Acordou! Já estás bem? Gritaste e desmaiaste. O que foi que te aconteceu? Mordeu-te algum bicho? “ Ainda mal refeito do susto, olhei e volta e tudo estava no seu lugar. Senti uma enorme felicidade por estar outra vez no meu mundo. Será que estive realmente noutro lugar ou estou a começar a ter visões? Os meus pais disseram: 
- ” Pareces alheado e estranho. Se calhar é melhor levar-te ao médico!”
E, assim, levaram-me de automóvel até à vila mais próxima, para uma consulta médica, por um caminho de terra batida, durante mais de vinte quilómetros. 
O jovem médico que me atendeu, ouviu a estória dos meus pais e começou a fazer-me perguntas sobre o que tinha acontecido. Inicialmente não pensava em contar-lhe a verdade sobre o que tinha sentido, pois tinha vergonha que ele me considerasse um adolescente com problemas. 
Contudo, a sua juventude e o cuidado que tinha posto no exame completo que me estava a fazer, deram-me confiança para contar tudo o que me tinha acontecido, incluindo a voz que ouvi e a sensação de cenário trocado. 
Ouviu-me sério e atento e, depois, perguntou-me se já me tinham acontecido situações semelhantes. Disse-lhe que era o único da família que “ouvia” o meu gato falar e também lhe disse que o Schrodinger tinha poderes mágicos. 
Os meus pais confirmaram que eu já lhes tinha falado sobre o gato desde há alguns anos, mas que nunca tinham dado muita importância por pensarem que eram coisa de criança. 
Perguntou-me se eu acreditava que as estórias que me contavam na infância eram reais. Obviamente respondi-lhe que não, que sabia que eram estórias inventadas pelos escritores e poetas. Mas reafirmei que acreditava que existia a magia verdadeira: não o ilusionismo dos mágicos da TV, mas a magia que deriva dos poderes de seres como o Schrodinger. 
Não me fez mais perguntas. Disse-me para não pensar mais no que tinha acontecido. Afirmou que não me tinha encontrado nenhuma doença física e que a causa provável do meu desmaio,  foi o excesso de sol. Receitou-me umas pílulas que disse serem para eu relaxar e, depois, pediu para falar a sós com os meus pais. 
Fiquei curioso sobre o que lhes estaria a dizer e fiquei a pensar se teria feito bem em contar a verdade. Será que o médico pensava que eu estou a ficar maluco? A maioria dos adultos deste mundo, não sabe nada sobre magia e, nem sequer, sabem identificá-la. Pensam que a magia é coisa de espetáculos de ilusionistas, que se dedicam a fazer os seus números, aproveitando-se da distração dos espectadores.
Magia não é ilusionismo ! Magia é o poder de manipular as coisas da natureza com o poder da nossa mente. Isto é muito fácil de dizer e muito difícil de fazer. Também não se aprende na escola de Hoghwarth, como nos filmes do Harry Potter. No filme, o que se vê, é só ilusionismo, feito  com alta tecnologia. 
Na próxima vez que o Schrodinger aparecer, tenho de ter com ele uma conversa séria sobre magia. Pois, com certeza,  sabe muito sobre o tema, pois tem poderes mágicos, já  várias vezes demonstrados.
Basta lembrar que tem o poder de passar através das paredes, porque aparece sempre dentro de quartos fechados e desaparece deles, de repente, sem deixar rasto. E, além do mais, fala dentro da minha mente. 
Estava cogitando estes pensamentos, quando os meus pais saíram da tal conversa privada com o médico, com ar muito apreensivo. Contudo, mudaram imediatamente de expressão, quando me viram. 
“-Então!?” – disse eu. “O que disse o médico ? Ele acha que eu estou a ficar maluco?” . 
Pela expressão de alarme que perpassou por momentos pelos olhos da minha mãe, vi que tinha acertado na “mouche”, mas ela respondeu:
 “- Que ideia! O que tu apanhaste foi uma insolação e vais ter de descansar. Também não vais poder andar muito ao sol. Vais ter de brincar à sombra e só podes ir nadar para o lago, fora das horas de maior calor. De qualquer modo, no fim das férias, vamos ter de te levar ao médico, para verificar se tu já estás completamente curado. 
E... todos os dias à noite, tens de tomar  os comprimidos que o médico prescreveu.” 
“- Que azar!” – pensei  - “ Umas férias sem liberdade de movimentos e, sempre sobre vigilância”. 
Que bom seria ter aqui os meus amigos da escola, que tal como eu também viam o gato Schrodinger e acreditavam nos seus poderes mágicos.
 “Bem…” Mas nem tudo era mau. O Lago é muito bonito e, com certeza, proporcionar-me-ia muitas aventuras de barco, durante a exploração dos seus canais. Além disso, também havia os passeios pela floresta, que são sempre uma aventura. 
À noite, fui obrigado a tomar um dos tais comprimidos prescritos pelo médico. Era uma pílula pequenina, fácil de engolir, com um gosto amargo. 
–“ Porque será que não inventam remédios com bom sabor? Até os xaropes para a febre que são doces, têm o amargo à mistura!”. – Pensei  enquanto pegava num livro para ler um pouco, antes de adormecer. Mas se a pastilha era pequena, o seu efeito foi o maior. Passado pouco tempo, senti os olhos muito pesados e adormeci com o livro em cima do rosto.
 O sono não foi bom e acho que nem sequer muito longo. Acordei sobressaltado, porque senti um gato no quarto e, ainda estremunhado, pensei:
”- É o Schrodinger! Aquele vagabundo finalmente voltou!”. Abri os olhos, atirei para o lado o livro que estava sobre a minha cara e encarei com o gato sentado sobre os meus joelhos. A porta e a janela continuavam fechadas. Fiquei sem respiração. Aquele não era o Schrodinger! Era um gato cinzento malhado com um sorriso na boca, a olhar fixamente para mim.
 – “ Um gato que ri, como na estória da Alice no País das Maravilhas!” - pensei. De seguida tentei agarra-lo, mas ele desapareceu no nada. Ficou só um sorriso sem gato no seu lugar. 
–“ Santo Deus! Este é o gato de Cheshire! Como é possível ser real esta estória?! Devo estar a ficar maluco e a ver coisas….” Mas o sorriso do gato continuou sobre os meus joelhos e eu olhava-o hipnotizado até que a porta se abriu. logo que apareceu a minha mãe, o sorriso desapareceu também. 
“- Ainda acordado! São horas de dormir!” . “Ia já fazer isso!” – disse e de seguida deitei-me e tapei-me com os lençóis. A minha mãe deu-me um beijo de boa noite, que me pôs a dormir ainda mais depressa do que a pastilha o tinha feito. Dormi o resto da noite de um sono só e nem me lembro de ter sonhado. Acordei de manhã com os primos a abanar-me e a dizer: - “Acorda preguiçoso! Já são nove horas! Vamos ao lago nadar enquanto não faz muito calor!”.
 - “Já vos sigo!” – pulei para fora da lençóis e, com a pressa até enfiei o calção de banho por cima do calção do pijama, causando gargalhadas nos meus primos. Fiquei muito envergonhado e, debaixo do riso geral, tive de despir-me e vestir-me convenientemente.
 Porém, o sorriso do gato de Cheshire não me saía da cabeça. Interrogava-me: - “ Porque é que se riria o gato? Estaria a escarnecer de mim ? Ou estaria feliz por me ver? Será que ele e o Schrodinger se conheciam ou tinham falado sobre mim?” 
Acima da cabeça e abaixo dos pés, há mais mistérios do que as pessoas imaginam. No meu caso, tenho a certeza de que os meus pais e o médico pensam que é a minha cabeça que inventa tudo isto. 
Entrei mais uma vez nas águas mornas e serenas do lago, onde apenas se mexiam os meus primos e mais ao longe perto da outra margem, as crianças de outra família. 
Quase morri de susto, ao ouvir novamente a voz a dizer-me: 
“-Eu estou aqui!” 
Olhei em volta e estava outra vez no cenário trocado. O meu coração batia descompassadamente, com medo que aparecesse o mesmo animal do dia anterior. Mas não havia nenhum animal próximo. À vista só havia ao longe uns estranhos pássaros. De repente, perto de mim, emergiu das águas,  uma criança. Um menino, que falou dentro da minha cabeça: 
“-Sou eu! Eu estou aqui!” 
Aquele menino era igual a mim. Era um sósia perfeito e, ainda mais do que um sósia, era o meu gémeo idêntico. 
Para aumentar o meu espanto, perto dele, a caminhar sobre as águas, apareceu o gato malhado com o seu eterno sorriso. Devo ter ficado com a boca aberta de espanto, porque ouvi uma voz familiar a falar-me: 
“-Fecha a boca, senão entra mosca! “- Olhei… e, para completar o meu espanto, ao meu lado estava o Schrodinger, quieto sobre as águas serenas do lago. 
Schrodinger disse-me:”- Estamos no Lago dos Duendes que fica noutro universo e tem um portal de acesso, exatamente no lago da vossa casa de campo. Aqueles que me conseguem ouvir, como tu, também podem abrir o portal e passar para este lado! Agarrei no Schrodinger e abracei-o contra o peito. – “Que saudades!”- disse. Então, reparei que ainda não sabia o nome do menino.
 – “ Como te chamas?”- perguntei. “- Iosh Hua!”- respondeu-me ele. “E o teu gato?” – inquiri outra vez. –“Cheshire!” – respondeu-me novamente . “Eu sabia!”- pensei. 
Os gatos estavam lado a lado milagrosamente parados sobre as águas, estando o Cheshire com o seu eterno sorriso estampado no rosto. Schrodinger falou dentro da minha cabeça:
”-Temos de regressar! Já estão à tua procura no outro lago!
”. Só tive tempo de acenar com a mão para o Iosh Hua. No instante seguinte estava na margem do lago a cerca de cem metros dos meus primos, a caminhar sobre o tapete fofo de ervas, com os dois gatos ao meu lado. 
Respondi aos chamamentos de quem me procurava: “-Estou aqui!” e caminhei na direção deles. “-O Schrodinger voltou !" exclamei todo feliz. 
“-Tens a certeza? Como é possível um gato sozinho encontrar-te a mais de duzentos quilómetros de casa?”. 
“- É mesmo ele!” – respondi. –“E trouxe um amigo!”. Schrodinger saltou para os meus braços, como que a comprovar a sua identidade. 
“- Ó mamã, o Cheshire é meu! Está a rir-se para mim!” – gritou a minha priminha mais nova, de apenas três anos, referindo-se ao outro gato. 
Abri e fechei a boca de espanto. Eu não tinha falado no nome do bichano. Afinal havia mais alguém na família que, tal como eu, era sensível à magia.