A Mudança e o Consentimento Esclarecido
Nas
discussões académicas sobre ética, em especial ligadas à medicina
e ciências da vida está muito em voga o falar-se de consentimento
esclarecido. Contudo a noção de consentimento esclarecido aplica-se
a muitas mais atividades humanas como a política e a gestão, em
especial na gestão dos processos de transformação das organizações
designados por processos de mudança.
O consentimento esclarecido pressupõe que o ato de deliberação seja feito por cada um, na posse de toda a informação que consiga processar e que essa deliberação possa ser competente ou seja validada aferindo-se no mínimo se a deliberação foi feita com pleno conhecimento das alternativas e dos métodos e ferramentas disponíveis.
O consentimento esclarecido pressupõe que o ato de deliberação seja feito por cada um, na posse de toda a informação que consiga processar e que essa deliberação possa ser competente ou seja validada aferindo-se no mínimo se a deliberação foi feita com pleno conhecimento das alternativas e dos métodos e ferramentas disponíveis.
Qualquer
processo de mudança nas organizações sociais e nas empresas, é
uma revolução que passa pelo menos por 3 fases :
Fase
1 – Aparecimento de condições objectivas de necessidade ou
disponibilidade ambiental para a mudança. É a altura em que aqueles
que se apercebem ou pugnam por essa mudança, precisam de conquistar
adeptos para a mudança e fazem-no principalmente divulgando as
características ( ou como se diz nas TI : propriedades ) da nova
situação muitas vezes acompanhadas de estudos comparativos entre os
cenários possíveis e analise SWAT
Fase
2 – Resistência à mudança. Todas as organizações sociais e
organismos vivos possuem “instintos de sobrevivência”, ou seja
capacidades de manterem a sua constituição e atuação dentro de
limites de preservação de identidade ( preservação de estrutura e
preservação de funcionalidades). A isso podemos chamar de
conservadorismo salutar, pois impede a desagregação e morte
organizacional. Esse conservadorismo não é impeditivo da evolução
pois todas as organizações e organismos têm capacidades
intrínsecas de resposta adaptada a variações das condições
ambientais ou das condições internas. Podemos considerar que uma
organização social típica como uma empresa ou um estado tem o grau cibernético 7, ou seja é capaz de redefinir os seus próprios
objectivos.
Contudo
a mudança implica que cumulativamente essa organização possua
capacidades de alteração da sua estrutura ( em qualquer grau ) para
o prosseguimento dos seus novos fins, ou seja, que possa incorporar
novos membros, novos processos, que possa reciclar membros dotando-os
de novas capacidades e que possa mudar processos e funções internas
parando uns criando outros, modificando o que for necessário. Esta
mudança estrutural e funcional para o prosseguimento dos novos fins
designa-se por revolução e implica um grau cibernético 8
Nenhuma
mudança se faz sem se ter vencido estas resistências naturais. Daí
que quem esteja a gerir esta mudança se veja muitas vezes envolvido
em lutas de poder que no caso de estados ou grandes organizações
assumem mesmo o nível de guerra e não apenas competição. Na
guerra existe verdadeira concorrência por recursos escassos ou
limitados, ou seja, a sobrevivência de uns implica a morte de outros,
enquanto que na competição os dois competidores devem sobreviver
para se poder prosseguir o jogo.
Fase
3 – Consolidação da mudança .
Nesta
fase em que a mudança se estende a toda a organização e às
organizações interdependentes (e muitas vezes a toda a envolvente
incluindo os concorrentes) a nova estrutura já tem de atuar
cooperativamente, daí que os gestores e líderes da mudança têm
como tarefa principal garantir a unidade dentro da multiplicidade ou
seja garantir a coesão, cooperação e funcionalidades da equipa ou
da organização.
Isso
não é um processo determinístico e muito menos ditatorial, pois o
consentimento de cada um deve ser um consentimento esclarecido.
Todos os membros da organização ao seu nível, devem possuir toda a
informação sobre cenários alternativos e objetivos, na quantidade e
qualidade que consigam processar, que lhes permitam em cada momento
uma decisão com um mínimo de indeterminação. Isto é a essência
do trabalho simbiótico ou cooperativo necessário para prosseguir os
novos fins mantendo integra a sua identidade.
Os
seres humanos são pela sua natureza dotados de autonomia
deliberativa (autodeterminados) no exercício dos seus direitos de
cidadania, com pelo menos os graus de liberdade considerados na
Declaração Universal dos Direitos Homem.
Além
disso a evolução histórica dessa autonomia deu-se através das
quatro revoluções da igualdade, sendo que na última, aquela
que estamos a viver, se está a concretizar o acesso universal é
igualitário aos bens do espírito, ou seja: à informação, o
que permitirá sempre a cada um, uma decisão esclarecida validável
caso a caso, pela organização ou pela sociedade.
O
esforço de implementação deste consentimento esclarecido nas
organizações é atualmente a condição necessária para a sua
atuação e sobrevivência.
Convido
os leitores a lerem a dissertação do médico brasileiro Professor
Doutor Paulo A. C. Fortes,
que
pela sua profundidade e universalidade nos permite aprofundar os
conhecimentos sobre o tema do consentimento esclarecido.
SOBRE
O AUTOR
Paulo
Antônio de Carvalho Fortes
Médico.
Doutor em Saúde Pública, Professor da Faculdade de Saúde Pública,
Universidade de São Paulo, São Paulo-SP.
O
autor discute a manifestação da autonomia individual o
consentimento esclarecido
em práticas e procedimentos relacionados à reflexão e ao estudo da bioética. Afirma como elementos
do consentimento a liberdade, a informação, a temporalidade e sua possível revogabilidade.
Ressalta a necessidade de se adotar o padrão subjetivo para que a informação a ser revelada
fundamente o consentimento esclarecido. Tece ainda considerações a respeito da
competência dos indivíduos de decidir e sobre exceções ao princípio.
em práticas e procedimentos relacionados à reflexão e ao estudo da bioética. Afirma como elementos
do consentimento a liberdade, a informação, a temporalidade e sua possível revogabilidade.
Ressalta a necessidade de se adotar o padrão subjetivo para que a informação a ser revelada
fundamente o consentimento esclarecido. Tece ainda considerações a respeito da
competência dos indivíduos de decidir e sobre exceções ao princípio.
UNITERMOS
Consentimento esclarecido, autonomia, beneficência.
Citação
“
Reflexões
sobre a bioética e o consentimento esclarecido
As
inovações tecnológicas das últimas décadas no campo das ciências
médicas e biológicas trazem em si enorme poder de intervenção
sobre a vida e a natureza, obrigando a profunda reflexão bioética
em razão das conseqüências advindas para os indivíduos e a
sociedade. A Bioética, de caráter eminentemente multidisciplinar,
compreende "o estudo sistemático da conduta humana na área das
ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta
conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais"
(1).
A
discussão e a reflexão sobre o comportamento ético em atividades
de saúde não devem ser observadas, como uma rápida e apressada
leitura poderia sugerir, como sendo apenas limitadas a relações e
interesses meramente individuais. Ao contrário, devem ser
compreendidas dentro do enfoque de responsabilidade social e
ampliação dos direitos da cidadania, pois, como afirma Garrafa, sem
cidadania não há saúde (2).
Por
afetarem pessoas, cada decisão, procedimento ou ação abrangidos na
esfera dos cuidados da saúde, envolvem princípios e valores
diversos, às vezes conflituosos, podendo resultar em dilemas éticos
para os profissionais de saúde. Aceitando como princípios éticos
primários a autonomia, a beneficência, a não causação de dano e
a justiça, como propugnado por Beauchamp & Childress (3),
escolhemos reter nossa reflexão sobre aspectos relacionados ao
princípio da autonomia, por ser este princípio fundamental para
guiar as ações no campo da saúde.
O
termo autonomia, de acordo com sua origem etimológica grega,
significa autogoverno, referindo-se ao poder da pessoa de tomar
decisões que afetem sua vida, sua integridade físico-psíquica,
suas relações sociais. Citando novamente Beauchamp & Childress:
"A pessoa autônoma é aquela que não somente delibera e
escolhe seus planos, mas que é capaz de agir com base nessas
deliberações" (3).
O
direito moral do ser humano à autonomia gera um dever dos outros em
respeitá-lo. A conquista do respeito a esse direito nas relações
com os profissionais e serviços de saúde consiste em fenômeno
histórico socialmente determinado, que vem deslocando
paulatinamente, nas últimas décadas, a beneficência como princípio
prevalente destas relações. A partir dos anos sessenta, entre
outras causas, em virtude dos movimentos de defesa dos direitos
fundamentais da cidadania e, especificamente, dos reivindicativos do
direito à saúde e humanização dos serviços de saúde, vem-se
ampliando a consciência por parte dos indivíduos de sua condição
de agentes morais autônomos, desejosos de estabelecer com os
profissionais de saúde relações onde ambas as partes mutuamente se
necessitam e se respeitam ( 4,5,6).
O
respeito à autodeterminação fundamenta-se no princípio da
dignidade da natureza humana, acatando-se o imperativo categórico
kantiano que afirma que o ser humano é um fim em si mesmo. O
respeitar a pessoa autônoma pressupõe a aceitação do pluralismo
social, não podendo ser observado apenas como um dever legal que
protegeria os profissionais e serviços de saúde em matéria de
responsabilidade jurídica. Respeitar a autonomia é reconhecer que
ao indivíduo cabe possuir certos pontos de vista e que é ele que
deve deliberar e tomar decisões seguindo seu próprio plano de vida
e ação, embasado em crenças, aspirações e valores próprios,
mesmo quando divirjam daqueles dominantes na sociedade (7).
Manifestação
da essência do princípio da autonomia é o consentimento
esclarecido. Este deve ser emitido pelo indivíduo quando de atos que
afetem sua integridade físico-psíquica. Aceitamos a noção de
consentimento esclarecido enquanto ato de decisão voluntária,
realizado por uma pessoa competente, embasada em adequada informação
e que seja capaz de deliberar tendo compreendido a informação
revelada, aceitando ou recusando propostas de ação que lhe afetem
ou poderão lhe afetar.
No
campo das práticas que se relacionem com a saúde das pessoas tal
assertiva significa que o indivíduo é quem, de forma ativa, deve
autorizar as propostas a ele apresentadas e não meramente assentir a
um plano diagnóstico ou terapêutico, por meio de uma atitude
submissa às ordens dos profissionais de saúde.
O
consentimento esclarecido deve ser recolhido anteriormente à
realização de todo procedimento sobre o organismo humano de
natureza física ou psíquica.
Podemos
identificar a necessidade de garantí-lo em uma gama diversificada de
temas que atualmente são debatidos por aqueles que se dedicam ao
estudo da Bioética, como, por exemplo, nos casos de permissão das
pessoas que se prestam a experimentações, na identificação das
características pessoais por meio de exames genéticos, no tocante
às doações in vivo ou post mortem e na recepção de
órgãos e tecidos, por meio das técnicas de transplantes.
A
questão se coloca em relação às atividades técnicas de
reprodução assistida fecundação in vitro, doação ou
recebimento de gametas, sêmen, óvulos, assim como nos procedimentos
de inseminação artificial e na conservação dos embriões
supranumerários advindos das técnicas de fecundação in vitro.
É
também imperiosa a garantia do consentimento esclarecido nos casos
de coleta e produtos de origem humana, no reconhecimento antenatal
das condições de viabilidade do feto e na terapêutica
intra-uterina, na identificação de pessoas por meio de suas
"impressões" genéticas, nas manipulações do patrimônio
genético, em situações relacionadas aos portadores do vírus da
imunodeficiência humana (HIV) e com síndrome da imunodeficiência
adquirida (AIDS), assim como na utilização de dados pessoais e
nominativos por meio de sistemas de informatização e bancos de
dados (8).
O
consentimento deve ser livre, voluntário, consciente, não
comportando vícios e erros. Não pode ser obtido mediante práticas
de coação física, psíquica ou moral ou por meio de simulação ou
práticas enganosas, ou quaisquer outras formas de manipulação
impeditivas da livre manifestação da vontade pessoal.
De
acordo com esses pressupostos é que, atualmente, tende a predominar
o posicionamento contrário à submissão de detentos ou pessoas em
situação de internamento compulsório, a experimentações
científicas, pois nestas situações o seu consentimento
dificilmente será livre (8, 9).
Apesar
de se poder concordar com a afirmação de Loewi (10), de que a
autonomia individual completa é sobretudo um ideal e não um fato
concreto, é difícil imaginar que a liberdade do indivíduo possa
ser total, que não exista nas relações sociais forte grau de
controle. Mas, se o homem não é um ser totalmente autônomo, não
significa que esteja no pólo oposto, que seja escravo das paixões
ou dos fatores sociais, pois apesar de todos condicionantes sociais,
o homem pode se mover dentro de uma margem própria de decisão e de
ação.
Para
se ter a garantia da liberdade de consentir é preciso que a práxis
dos profissionais de saúde esteja imbuída da noção do respeito ao
princípio da autonomia individual, pois em razão do domínio
psicológico, conhecimento especializado e habilidades técnicas que
possuem, eles podem inviabilizar a real manifestação da vontade da
pessoa com quem se relacionam. Aceita-se que se utilizem da
persuasão, mas não da coação ou da manipulação. Persuasão,
entendida como a tentativa de induzir alguém por meio de apelos à
razão para que livremente aceite crenças, atitudes, valores,
intenções ou ações advogadas pela pessoa que persuade. Já a
manipulação apresenta valor ético contrário, pois tenta fazer com
que a pessoa realize o que o manipulador pretende sem saber o que ele
intenta (11).
Além
das restrições externas, a liberdade de consentir pode estar
prejudicada por defeitos no controle decisório, devido a condições
em que o indivíduo está dominado por desejos que ele não quer ter,
como é o caso das pessoas em situações de agudização de alguns
transtornos mentais ou sob o efeito de intoxicação por substâncias
químicas, tornando as decisões e escolhas feitas não genuínas
(12).
Além
de ser livre, para que voluntariamente e conscientemente o indivíduo
possa tomar decisões, e assim expresse seu consentimento
esclarecido, aceitando ou recusando aquilo que lhe é proposto, é
necessária a adequada informação.
Veatch
(13), adepto das teorias deontológicas, que se fundamentam na noção
do dever, considera que as pessoas têm direito à informação
independentemente de sua utilidade social. Os utilitaristas, por sua
vez, justificam o direito à informação nas atividades dos
profissionais de saúde, pela criação de uma maior confiança dos
indivíduos submetidos à relação com aqueles.
Mas
para que haja um consentimento esclarecido a informação revelada
deve ser compreendida, não sendo suficiente que a pessoa seja mera
receptora. Informações falseadas, incompletas ou mal-entendidas
podem ocasionar defeitos de raciocínio, por meio dos quais os
indivíduos formam suas opiniões baseados em fatos manifestamente
implausíveis e comprometem sua decisão autônoma. As informações
devem ser adaptadas às circunstâncias do caso e às condições
sociais, psicológicas e culturais, utilizando-se um padrão
orientado para cada paciente, que denominamos de padrão subjetivo.
O
padrão subjetivo requer uma abordagem informativa apropriada a cada
indivíduo. A discussão sobre cada situação deve ser feita
adaptando-se aos valores e expectativas psicológicas e sociais de
cada pessoa, sem se ater a fórmulas padronizadas. Os
pacientes devem, segundo esta linha de raciocínio, ser considerados como únicos, não padronizáveis e o consentimento com a adequada informação deve se basear, não na escolha de uma suposta "ótima alternativa científica ou tecnológica", mas sim, "da melhor para aquela pessoa".
pacientes devem, segundo esta linha de raciocínio, ser considerados como únicos, não padronizáveis e o consentimento com a adequada informação deve se basear, não na escolha de uma suposta "ótima alternativa científica ou tecnológica", mas sim, "da melhor para aquela pessoa".
Esse
padrão obriga o profissional de saúde a ser realmente respeitador
da autonomia individual e requer que descubra, baseando-se nos
conhecimentos e na arte de sua prática, o que efetivamente cada
pessoa gostaria de conhecer e quanto gostaria de participar das
decisões.
As
informações a serem transmitidas devem ser pautadas na natureza dos
procedimentos, nos objetivos diagnósticos ou terapêuticos, nas
alternativas existentes para os procedimentos propostos, nas
possibilidades de êxito. Devem pautar-se no balanço entre os
benefícios a serem obtidos e os riscos e inconvenientes possíveis
de ocorrerem, e ainda, sobre as probabilidades de alteração das
condições de dor, sofrimento e de suas condições patológicas. Se
for o caso, deve o paciente ser esclarecido de que o tratamento ou a
prática diagnóstica é experimental ou faz parte de um protocolo de
pesquisas.
A
noção do conhecimento esclarecido desaprova e tece críticas a que
se ministrem informações exclusivamente ou prioritariamente por
escrito. A padronização das informações contradiz a busca por
padrão subjetivo e geralmente visa somente o cumprimento de ritual
legal (14).
As
dificuldades existentes em assegurar a transmissão dos conhecimentos
técnicos às pessoas leigas ou mesmo a profissionais de saúde que
estejam na condição de pacientes, levam a que autores, como Weiss
(15), se expressem sobre a impossibilidade da existência de um
consentimento totalmente esclarecido.
Rebatendo
essa tese pode-se afirmar que não há, eticamente, necessidade de
que as informações prestadas sejam tecnicamente detalhadas. É
suficiente que sejam leais, compreensíveis, aproximativas e
inteligíveis para que a manifestação autônoma do indivíduo seja
garantida (16).
Porém,
ocorrem circunstâncias em que a ansiedade ou o medo a respeito das
condições de saúde, o simples desinteresse, a incapacidade de
compreender as informações apresentadas, ou, ainda, a extrema
confiança depositada nos profissionais de saúde, levam a que os
pacientes se recusem a ser informados de suas condições.
Certo
que o indivíduo capaz tem o direito de não ser informado, quando
assim for sua vontade expressa. O respeito ao princípio da autonomia
orienta que se aceite a vontade pessoal impedindo os profissionais de
saúde de lhe fornecerem informações desagradáveis e autorizando a
que estes últimos tomem decisões nas situações concernentes ao
seu estado de saúde, ou, ainda, devam preliminarmente consultar
parentes ou amigos do paciente.
Para
validar-se tal direito, o paciente deve ter clara compreensão que é
dever do médico informar a ele sobre os procedimentos propostos, que
tem o direito moral e legal de tomar decisões sobre seu próprio
tratamento. Deve também compreender que os profissionais não podem
iniciar um procedimento sem sua autorização, exceto nos casos de
iminente perigo de vida. E, finalmente, que o direito de decisão
inclui o de consentir ou de recusar a se submeter a determinado
procedimento.
A
partir do preenchimento desses pressupostos o paciente pode escolher
não querer ser informado ou, alternativamente, que as informações
sejam dadas a terceiros ou ainda querer emitir seu consentimento sem
receber determinadas informações.
Como
não existe hierarquia entre os princípios éticos, pois não
possuem caráter de valor absoluto, a autonomia, assim como os outros
princípios primários, pode ser suplantada em determinadas situações
pela beneficência, ou pelo princípio de não causar dano.
Os
utilitaristas consideram que a beneficência e o princípio de não
causar dano justificam que em certas circunstâncias a informação
possa ser sonegada ao paciente, ou mesmo que a ele seja ocultada a
verdade. Legitimam que o profissional de saúde maneje
qualitativamente ou quantitativamente as informações a serem
fornecidas, e, mesmo, esteja isento de revelá-las caso possam
conduzir a uma deterioração do estado físico ou psíquico do
paciente, afetando a tomada de decisões.
Para
a ética das conseqüências há casos em que se pode aceitar o fato
de que a mentira pode trazer benefícios ao paciente, isto é,
mantê-lo com saúde ou mesmo, vivo. Sua justificativa fundamenta-se
na tese de que, para reparar a desintegração produzida pela
enfermidade, é preciso violar até certo ponto a autonomia da
pessoa, objetivando restaurá-la (17).
Este
ponto enseja relevante divergência com os adeptos das teorias éticas
deontológicas que não aceitam a permissão de mentir, pois entendem
que a mentira violaria o princípio da autonomia e não pode ser
validada eticamente (18).
A
nosso ver é preciso cautela na validação do ocultamento da verdade
sob alegações de perigo de que informações nem sempre bem-vindas,
esperadas ou desejadas possam causar danos psicológicos. As
pesquisas e análises junto aos próprios pacientes não demonstram
tais assertivas (19,20).
A
legitimação ética desse proceder tem servido freqüentemente para
que os profissionais de saúde se escusem do penoso dever de dialogar
e revelar situações desagradáveis sobre o diagnóstico ou o
prognóstico. E, mesmo aceitando-se a tese da não obrigatoriedade de
se revelar certas informações potencialmente danosas, isto não
exclui o dever de revelar outros elementos do caso, isto é, não
produz direito de que o profissional se cale sobre tudo que diz
respeito aos procedimentos, técnicas e tratamentos a serem
utilizados e suas conseqüências.
É
ainda importante ressaltar que do ponto de vista ético a noção do
consentimento esclarecido pode diferir da forma adotada pela lei e
pelos tribunais (21). No terreno da ética ela é mais aprofundada
porque não se limita ao simples direito à recusa, como se expressa
nas normas penais brasileiras, Código Penal, art. 146, parágrafo
3º, I. Discorrendo a esse respeito, Pellegrino (6) observa que
quando a autonomia chega a ter uma acentuada qualidade legalista
ocorre uma tendência ao minimalismo ético, restringindo-se ao
exclusivo cumprimento daquilo que é prescrito pela lei.
O
terceiro elemento do consentimento diz respeito a sua temporalidade.
O consentimento, quando preliminarmente recolhido, o foi dentro de
determinada situação. Sendo assim, quando ocorrerem alterações
significantes no panorama do estado de saúde inicial ou da causa
pela qual o consentimento foi dado, este deverá ser renovado.
Em
virtude desse preceito consideramos que a assinatura de termo de
responsabilidade fórmula adotada pela maioria dos estabelecimentos
hospitalares no ato da internação, quando o paciente ou seu
representante legal declara estar ciente de todos os riscos que
poderão advir das medidas adotadas durante sua estadia no
estabelecimento e autoriza a realização de todos os atos que os
profissionais julgarem necessários tem valor ético e legal nulos.
O
consentimento não pressupõe imutabilidade e permanência, podendo
ser revogado a qualquer instante por decisão voluntária, livre,
consciente e esclarecida, sem que ao paciente sejam imputadas sanções
morais ou legais.
O
direito a ter o consentimento revogado pressupõe a inexistência de
defeitos na estabilidade. A instabilidade que leva à mudança das
decisões, de um momento para outro no mesmo indivíduo, pode
relacionar-se com a falta de real manifestação autônoma. Todavia,
como expressa o já mencionado Harris (12), é preciso muito cuidado
ao se considerar que a mudança de opiniões signifique defeito de
estabilidade, pois se podemos refutar decisões tomadas em outras
épocas de nossas vidas, isto não quer dizer que elas tenham sido
irracionais, precipitadas ou errôneas, mas que foram tomadas à luz
dos conhecimentos e da visão própria de cada tempo, elas foram
simplesmente diferentes das que tomaríamos hoje.
As
ações dos profissionais de saúde nas situações de emergência,
em que os indivíduos não conseguem exprimir suas preferências ou
dar seu consentimento, fundamentam-se no princípio da beneficência,
assumindo o profissional o papel de protetor natural do paciente por
meio de ações positivas em favor da vida e da saúde da pessoa. Nas
situações de emergência aceita-se a noção da existência de
consentimento presumido ou implícito, pelo qual supõe-se que a
pessoa, se estivesse de posse de sua real autonomia e capacidade,
seria favorável à intervenção na tentativa de resolver causas
e/ou conseqüências de suas condições de saúde.
Aliás,
a inação do profissional nas circunstâncias de grave e iminente
perigo de vida pode consubstanciar situação de omissão de socorro,
contrariando o dever de solidariedade imposto pelo acatamento ao
princípio de beneficência, Código Penal, art. 135.
Polêmica
é a questão da recusa a procedimentos médicos por motivos
religiosos, como nos casos dos adeptos da seita das Testemunhas de
Jeová, que, mesmo em situações de risco de vida, rejeitam a
possibilidade de receberem sangue. Nos anos recentes as cortes
americanas e canadenses têm fundamentado suas decisões no
predomínio do princípio da autonomia, acatando a recusa a
transfusões sanguíneas por parte de pacientes seguidores daquela
seita, quando maiores e capazes, mesmo se encontrando em situação
de emergência e risco de vida (22).
Mas,
contrariamente, os juízes permitem a realização do procedimento em
crianças, filhas de adeptos da seita, mesmo contrariando o desejo de
seus pais ou responsáveis, por considerarem que não sendo ainda
possível a manifestação autônoma da criança, o direito à vida
deva prevalecer sobre a manifestação da vontade parental.
Finalizando
esta reflexão devemos nos deter na questão da competência dos
indivíduos em decidir. Aqui observa-se a abordagem ética poder
diferir das normas jurídicas. No âmbito legal presume-se que um
adulto é competente até que a justiça o considere incompetente e
restrinja seus direitos civis, mas no campo da ética raramente se
julga uma pessoa incompetente com respeito a todas esferas de sua
vida.
A
abordagem ética se revela mais complexa, pois por um lado qualquer
desordem emocional ou mental, e mesmo uma alteração física, pode
comprometer a apreciação e a racionalidade das decisões reduzindo
a autonomia do paciente, dificultando sobremaneira o estabelecimento
de limites precisos de capacidade individual de entendimento, de
deliberação, de escolha racional. Neste caso passa a ser necessária
a diferenciação da pessoa autônoma com a possibilidade de
realização de atos autônomos.
Por
outro lado, mesmo os indivíduos considerados incapazes para certas
decisões ou campos de atuação, não o são para tomar decisões em
outras. O julgamento de incompetência deve ser dirigido a cada ação
particular e não a todas as decisões que a pessoa, mesmo aquela
considerada legalmente como incompetente, deva tomar (3).
A
pessoa acometida de transtornos mentais, assim como os indivíduos
retidos em estabelecimentos hospitalares ou de custódia, não devem
ser vistos como totalmente afetados em sua capacidade decisional. O
simples fato da existência do diagnóstico de uma doença mental não
implica que ocorra incapacidade do indivíduo para todas as decisões
a serem tomadas com respeito à sua saúde ou vida (23, 24).
Deve-se
ainda salientar que a autonomia do paciente, não sendo um direito
moral absoluto, poderá vir a se confrontar com a do profissional de
saúde. Este pode, por razões éticas, se opor aos desejos do
paciente de verem realizados certos procedimentos, tais como técnicas
de reprodução assistida ou eutanásia.
Finalmente,
embora possamos concordar com Drane (25), ao afirmar que apesar de
existirem acordos quanto aos princípios éticos a aplicação destes
em casos concretos é tarefa difícil e delicada, julgamos necessário
que cada vez mais as políticas de saúde e as políticas
educacionais orientadas à formação dos profissionais de saúde
estejam voltadas à redução das violações contra os princípios
éticos, tal como o cotidiano dos serviços de saúde facilmente
demonstra, caminhando para a construção de um sistema de saúde
comprometido com uma prática mais humanista.
Abstract
- Reflections on Bioethics and Informed Consent
The
author discusses the expression of individual autonomy - the informed
consent of practices and procedures concerning the reflection and the
study on bioethics. The author sets out as elements of a consent the
liberty, the information, the temporal aspects and its possible
revocation. He emphasizes the need for adopting a subjective pattern,
so as the information to be revealed can serve as the basis of the
informed consent. Finally, he makes some considerations on the
competence of individuals to decide upon this matter and the
exceptions to ethical principles.Referências
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Endereço
para correspondência:
Faculdade de Saúde
Pública USP
Av. Dr. Arnaldo, 715
01246-904 São Paulo-SP
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