O fim da linha
Todas as linhas têm um fim , um lugar para além do qual já não há mais carris. Um lugar onde termina o conhecido : o reino das certezas, a segurança das regras, o conhecimento do destino certo, o conforto da família e o amparo dos amigos e da sociedade .
Para a maioria das pessoas chegar ao fim da linha quer dizer que a casa está perto, pois as linhas são feitas para levar pessoas e coisas até às casas, que são o Alfa e o Ómega das viagens do Homem.
Nas linhas não há começo , há apenas fins: um para cada sentido da viagem. E os fins são os lenços brancos das despedidas e os abraços das chegadas.
Nas linhas tudo circula no horário comandado pelo relógio. Elas foram as verdadeiras criadoras do tempo, esse imperador que escraviza a nossa vida.
Para o viajante, o fim da linha não é o fim de tudo, para além do qual só o nada existe. É a porta de entrada para o infinito. É o começo dos caminhos que nunca acabam, razão que suporta aquela chama vaga, pequenina e terna que distingue o vivo do inanimado: a vontade e viver. "Ânima, flâmula, vâgula, blândula, hospes comesque corporis...."(1) , que titubeante iniciou o tic-tac do relógio marcador do passo do tempo universal e se embrenhou no reino do desconhecido, gravando caminhos no pó das estrelas. E os caminhos de incerteza, com o tempo tornam-se veredas conhecidas que ganham destinos certos e se transformam em estradas e linhas , com regras , horários e estações: os fins de linha. Limites que outros viajantes ao verem que já não há mais caminho, têm de ultrapassá-los, fazendo os caminhos ao andar.(2)
Dêem-lhe tempo que a humilde chama da vida ultrapassa todos os obstáculos, criando constantemente novos caminhos.
Mesmo para aqueles que primam por andar sempre nos carris, há pelo menos um momento em que têm de enfrentar o fim da linha.
Se pensarmos bem, deveríamos estar tão preocupados com o tempo em que não existimos antes do nosso nascimento, como estamos preocupados sobre o que se segue à morte do corpo.
Sabemos que não somos eternos porque nascemos, mas insistimos em preocupar-nos com o que vem depois. Teimamos em perseguir a imortalidade, apesar de já sabermos que, por construção, neste universo, nada tem acesso à eternidade.
Somos fruto da vida: esse impulso, que fez desobedecer aos preceitos divinos e comer a maçã do conhecimento, trocando o conforto certo do Jardim do Éden, pelo incerto dos caminhos do mundo, ao passar para lá do fim da linha, rumo ao infinito e mais além.
(1) - Último poema do imperador Adriano, dedicado à sua alma.
(2) - Do poema CAMINANTE NO HAY CAMINO do poeta espanhol Antonio Machado (1875-1939)> |
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