19 março 2011

Descentralização do poder nos estados de Democracia Representativa

Os estados onde vigora a Democracia Representativa evoluíram nos dois últimos séculos para uma descentralização do poder de estado como forma de tentar vencer a falta de comunicação, ligação e vinculação entre eleitores e eleitos.  Argumenta-se que com as autarquias os órgãos do estado ficam mais próximos e mais acessíveis aos cidadãos, sentindo-se estes mais motivados para participar na vida política local do que na vida política do estado central.

Desse modo adquiriram maior importância as autarquias em especial as autarquias de âmbito geográfico: os municípios, as comunas ( povoações ou associações de povoações - que em Portugal se chamam freguesias) e as regiões autónomas.
As autarquias têm uma organização miniaturizada da organização do estado central. Na maior parte dos estados actuais têm uma grande autonomia administrativa com receitas económicas próprias e com taxas e impostos específicos aplicados directamente por decisão autónoma ou sob a forma de percentagem sobre os impostos recolhidos pelo estado central. Muitas vezes têm uma estrutura administrativa com uma grande autonomia e independência em relação ao poder central do estado.

A abstenção ( ou falta de participação ) maciça  que se instalou endemicamente nas democracias dos países desenvolvidos desde o ultimo quartel do sec XX parece desmentir a tese de que as autarquias aproximam os eleitores da vida pública e dos seus eleitos. Além disso o índice de confiança dos cidadãos nos políticos não é mais alto nas autarquias do que no estado central, principalmente devido aos casos crónicos de corrupção .

Nos finais do sec. XX e início do sec. XXI nos estados onde vigora a filosofia administrativa e económica denominada neoliberalismo, aparecerem com grande importância uns organismos pseudo independentes designados por Agências Reguladoras, com personalidade jurídica especifica e estatuto de autarquia com poderes especiais e finalidades determinadas.

As  agências reguladoras  são autarquias com poderes especiais, que fazem parte da administração pública designada por indirecta que tutela os serviços públicos executados por por entidades públicas autónomas (por exemplo empresas de capital estatal) ou empresas privadas ou empresas de capital disperso ao público (Sociedades Anónimas cotadas em bolsa de valores), serviços esses prestados mediante contrato de concessão ou autorização publica especial.
Os seus funcionários e administradores têm um estatuto com umas parcas semelhanças com o das magistraturas, uma vez que têm poderes policiais e sancionatórios (podem aplicar coimas - sanções pecuniárias - a todos os que desobedecerem às suas regras ou seja que pratiquem contra-ordenações ) e também têm poderes de justiça uma vez que "julgam" em primeira instância as reclamações ou as infracções ao normativo de que são titulares.
Contudo a personalidade jurídica, o estatuto orgânico  e a respectiva inserção na estrutura do estado, como antes se disse,  assemelha-se mais ao de autarquias com poderes especiais e enquadramento jurídico específico, incluindo um orçamento autónomo  e um estatuto remuneratório dos seus membros dirigentes ou funcionários distinto da função pública do estado central.


Na maioria dos países uma agência reguladora é uma pessoa jurídica de direito público,  quase sempre constituída formalmente como uma autarquia especial , com a finalidade de regulamentar e fiscalizar a atividade de um determinado sector económico ou funcional público ou privado, considerado de interesse público na sociedade de um país como por exemplo: os serviços prestadores de cuidados de saúde saúde, a produção e comercialização de energia eléctrica, os serviços de telecomunicações, a segurança alimentar e económica, etc).

Apesar da semelhança com as magistraturas a actividade dos seus dirigentes e funcionários diferenciam-se destas porque não existe controlo inter-pares (não têm órgãos do tipo Ordem ou Colégio) nem formação académica específica para o exercício da sua magistratura nem são admitidos por concurso público controlado por outros órgãos do estado.

Também se argumenta que todas as autarquias por deterem um poder constitucionalmente definido com regras e limites próprios, criam um espaço de independência em relação ao poder político central. No caso das agências reguladoras por não serem órgãos com elementos eleitos chega-se a argumentar que o objectivo é a independência total em relação ao poder político (poder da classe política) em geral e até mesmo em relação ao poder económico. Além disso uma parte importante da classe política endeusa o papel destas agências como árbitros ou polícias e até lhes atribuem poderes legislativos de carácter técnico em sectores específicos da actividade social em especial nos sectores da esfera económica.

Convém referir que o objectivo de aproximar os eleitores aos eleitos ou os cidadãos às estruturas do estado, pretendido pela descentralização autárquica e das agências reguladoras, não só não é atingido, como ainda  este tipo de descentralização contribui fortemente para aumentar a despesa, o tamanho e o peso do estado na economia, além de diminuir a eficiência funcionamento do mesmo estado.
Além disso esta nuvem autárquica pulveriza o poder e impede efectivamente uma organização eficiente e coordenada do trabalho do aparelho do estado.

Outra coisa que se verifica é que a classe política, em especial os membros dos partidos políticos são encaixados tacitamente nestes organismos autárquicos numa teia compadrios e influências que popularmente se designa por "jobs for the boys" - em português corrente: tachos para os afilhados".

Na realidade o aumento do número de eleições e de cargos eleitos não corresponde a uma interacção mais próxima entre eleitores e eleitos já que não existe nenhum compromisso formal escrutinável que obrigue os eleitos a atender os desejos nem a prestar contas aos eleitores.
Igualmente a atribuição do estatuto de pseudo-magistratura às agências reguladoras não consegue que estas sejam órgãos efectivamente independentes e comprovadamente escrutináveis ou controláveis em última instância pelos cidadãos.
Assim nas democracias representativas vigentes no início do sec. XXI quase todos os poderes do estado estão efectivamente controlados pela classe política que adultera e torna mesmo ineficazes os poderes das autarquias que cria e os cidadãos não se sentem mais protegidos nem mais representados por estas.

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