26 novembro 2018

Os custos escondidos da reconstrução da estabilidade ambiental

No rescaldo do trágico acidente na estrada de Borba, que fez manchete nos órgãos de comunicação social nos dias 19 e 20 deste Novembro chuvoso, os analistas, os autarcas, os engenheiros, os técnicos de segurança e até o cidadão anónimo, desdobram-se numa multiplicidade de justificações, razões e até julgamentos públicos, para encontrarem causas e os culpados de tão nefasto acontecimento.
Na opinião pública, na frente do banco dos réus senta-se o estado central, logo seguido das autarquias, ficando na última fila e com as últimas culpas os técnicos encarregados de inspecionar a estrada e as pedreiras, e os responsáveis pela regulamentação do trânsito nessa via.
Há que condenar todos, pelos menos na praça pública, porque a condenação em tribunal à semelhança do acidente com a ponte de Entre-os-Rios só a vão receber os técnicos. E, mesmo isso, só passados alguns anos a contas com a justiça em inquéritos e julgamentos.
Infelizmente as causas gerais são civilizacionais e as culpas pesam sobre nós todos. Todos estes perigos, riscos e acidentes têm uma causa económica profunda, que se radica na nossa civilização ocidental e no modo de produção subjacente à sociedade atual.
Nas fases anteriores da evolução da Humanidade os custos do desfrute dos bens e serviços (atualmente designados na gíria económica como custos de propriedade ) eram considerados como sendo apenas os custos de aquisição (soma dos custos de produção com os custos de armazenamento, mais os custos de comercialização).
 Em algumas atividades económicas  relacionadas com bens duráveis e serviços essenciais continuados, também se incluíam os custos de manutenção no valor total dosqq Custos de Propriedade. Estes custos eram pagos na aquisição pela totalidade no caso do custo de compra e eram pagos parcelarmente durante a vida útil do bem ou serviço, no caso da manutenção.
Atualmente, com a temível herança das alterações climáticas e da poluição e destruição ambiental que nos foi legada pelo sec. XX, já se incorporam no custo global, além dos custos presentes (custos de aquisição e manutenção), também os custos futuros da remoção, reciclagem e reconstrução da estabilidade ambiental.
Foi o “esquecimento” desses custos pelas entidades estatais (centrais e autárquicas) de licenciamento e pelas entidades ou autoridades de fiscalização da indústria de extração dos mármores, que originou as causas primeiras do acidente.
O que se está a verificar é que as "taxas eco" termo autónomo na fatura que o consumidor ou o contribuinte pagam, em muitos casos são insuficientes para custear a realização dos fins a que se propõem. Isto acontece porque são manifestamente sub-estimados os custos da remoção e reciclagem e ainda em muitos casos não são considerados os custos da reconstrução da estabilidade ambiental.
Como exemplo: vejamos o caso da energia.
Os custos da reconstrução da estabilidade ambiental derivada do consumo de combustíveis fósseis é uma soma gigantesca cujo pagamento a nível das capacidades de produção atual da humanidade consumirá o esforço das gerações de vários séculos e apenas se estas passarem a levar um estilo de vida frugal, extremamente regrado, não acrescentando mais poluição àquela que já existe. E, além disso, se planearem com muito cuidado o seu número, para que a permanência no planeta terra não altere as condições ambientais de suporte à vida, como se tem feito até agora.
A Humanidade, para se desenvolver ao mesmo ritmo que se desenvolveu nos séc. XIX e séc. XX, precisa de dispor de energia transformável a uma taxa no mínimo equivalente ao triplo do consumo anual da atualidade (2018). Ora, os recursos energéticos atuais têm sido maioritariamente suportados pelos combustíveis fósseis (gás, petróleo e carvão) cujos custos de remoção dos lixos e da compensação dos seus efeitos ambientais são mais de 10 vezes os custos atuais de comercialização ( cerca de 80 USD por barril de petróleo). Isto significa que não estão a ser considerados estes custos e a energia que estamos a consumir está a ser paga pela geração atual, a cerca de 10% daquilo que deveria ser.
 Mas alguém vai ter de pagar esses custos e os pagantes serão as gerações que atingirão a maioridade a partir desta data (2018) até pelo menos mais 50 anos, se entretanto não tivermos despoletado consequência ambientais fatais para a vida na terra tal como a conhecemos atualmente.
O desenvolvimento da consciência ambiental na população do séc XXI em particular nas suas camadas jovens, não consegue muito mais do que trazer à luz do dia, o problema dos enormes custos, determinados pelo o atual modo de vida em sociedade e constantemente escamoteados pela classe política e por uma maioria dos elementos da classe capitalista.
O seu pagamento foi propositadamente adiado e propositadamente transposto para as gerações futuras da Humanidade e dos outros seres vivos.
Contudo os efeitos da destruição ambiental climática e biodiversidade começam a ser tão catastróficos (aquecimento global, desastres em centrais atómicas, desaparecimento de espécies essenciais, etc.), que começa a ser difícil à classe política esconder a fatura.
As gerações presentes, desde os adolescentes até aos reformados idosos, têm de tomar consciência de que o usufruto dos bens e serviços da sua comodidade, não têm apenas os custos de aquisição e manutenção, têm também os custos da reconstrução da estabilidade ambiental ( reciclagem e outros) e que para esses custos serem comportáveis para todos: gerações presentes e futuras, temos de basear o nosso modo de estar no mundo em três erres : Reduzir, Reutilizar, Reciclar (reconstruir o ciclo  ambiental)
Foi exatamente isso que não foi acautelado pela exploração das pedreiras que fazem fronteira com a estrada acidentada. Uma delas até já estava abandonada. Contudo, ninguém, nem a entidade privada que a explorou, nem o organismo público que a concessionou e licenciou, cumpriram o dever básico de custear e executar a estabilização dos terrenos em que passa a estrada, que é muito anterior ao início dessa exploração industrial.
Na pedreira ainda exploração, onde trabalhavam os acidentados e as vítimas, também ninguém tratou de fazer a reconstrução ambiental que no mínimo exige a garantia das condições serviço e de segurança da estrada, que passa pela estabilização dos terrenos e montagem de proteções.
Esta foi a culpa deles. A culpa de todo o resto da humanidade, incluindo eu que escrevo e os leitores, é a nossa atitude de consumismo e desleixo pelas consequências futuras das nossas ações.
O tempo das coisas descartáveis, do consumo sem regra e da elevação do dinheiro do lucro imediato, ao estatuto de deus da economia, tem os seus dias contados.
Esperemos que já não seja demasiado tarde.
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António Subida
Técnico Superior de Higiene e Segurança no Trabalho

1 comentários:

Kikas disse...

Muito interessante esta reflexão cronossistémica que faz sobre uma entre muitas fatalidades das quais culpamos os outros sem pensarmos que nós próprios temos culpa também.Sermos cegos a vida do outro prejudica a nossa também. Vivemos numa egocentricidade aprendida e apreendida por uma cultura que nem sabe de onde deriva a propria palavra.

Parabéns pelo seu excelente texto.

Cristina Rodrigues