27 agosto 2019

URBANISMO E PEGADA ECOLÓGICA - 3

Urbanismo e pegada ecológica (Parte 3)

Uma das vias para se conseguir controlar ou mesmo diminuir a pegada ecológica em ambiente urbano é aplicar o conceito de “Cidades Inteligentes” (Smart-Cities) ao planeamento e gestão da cidades.
As cidades atuais são aglomerados muito complexos de infraestruturas interligadas em rede, destinadas a suportar a vida das pessoas em todas as sua vertentes. As principais classes de redes necessárias ao seu bom funcionamento são:
- as redes de transporte (viário, ferroviário, marítimo e aéreo)
- a rede habitacional ( casas, comércios, fábricas, hospitais, escolas, serviços públicos, etc)
- as redes de energia (eletricidade, combustíveis, etc)
- as redes de abastecimento (de água; de alimentos; de matérias primas, etc)
- as redes de tratamento dos detritos (esgotos, lixo, etc)
- a rede de produção de bens e serviços ( tecido económico )
- a rede de governação (gestão dos recursos e das pessoas)
Estas redes garantem a mobilidade de pessoas, bens, serviços e capitais caraterísticas das sociedades abertas modernas. A sua gestão requer recursos avançados de recolha (sensores), transmissão (redes de telecomunicações ) e processamento (máquinas e algoritmos) de dados.
Se definirmos como objetivos da gestão das infra-estruras urbanas a promoção de :
- um modo de vida humanizado com equilíbrio entre o tempos de trabalho, de lazer e de descanso
- uma economia sustentável
- um impacto mínimo no ambiente
Facilmente deduzimos a necessidade do uso de algoritmos especializados na recolha e processamento de quantidades gigantescas de dados, capazes de dotar a gestão humana de instrumentos e meios automáticos de decisão e atuação. Esses algoritmos são aquilo que em linguagem comum moderna se costuma designar por inteligência artificial (IA).
Por sua vez a rede de comunicação de dados mais usada é a Internet (das pessoas que interliga utilizadores humanos e a Internet das coisas - IOT, que interliga as máquinas). A rede de comunicações móveis que suporta a comunicação entre telemóveis, para acomodar as necessidades de comunicação das cidades inteligentes deve ser da 5ª geração (5G) que só começa agora a ser implementada.
É esta junção da rede de sensores que recolhem os dados, com os algoritmos inteligentes que os processam e com a gestão humana que define as estratégias, que determina a inteligência das cidades e a sua aptidão para a prossecução dos objetivos enunciados: modo de vida humanizado, economia sustentável e pegada ecológica mínima.
Segundo o site http://www.smart-cities.eu/?cid=5&city=47&ver=3 (onde podemos ver uma comparação de Coimbra com outras cidades europeias semelhantes) são seis os parâmetros pelos quais aí se avalia a “inteligência” no urbanismo:
- Economia
- População
- Estilo de vida
- Mobilidade
- Ambiente
- Governação

(Imagem do site tirada em 19-07-2019)
O gráfico mostra que os resultados são desfavoráveis à parte portuguesa, quer na comparação entre as 3 cidades, quer em relação à média europeia, o que significa que temos um longo caminho a percorrer na diminuição da nossa pegada ecológica e na gestão eficiente das nossas vidas na cidade.
Se tivéssemos indicadores para comparação da cidade da Póvoa de Varzim com outras cidades portuguesas poderíamos dizer com propriedade quão “bom é viver aqui!”
Na falta desses indicadores gerais apenas poderemos analisar alguns caminhos possíveis que apontem na direção correta e verificar seu nível de implementação aqui na nossa cidade.
Vamos analisar alguns itens nos quais cremos que a evolução dos resultados  aponta no sentido da melhoria.
O primeiro parâmetro analisado diz respeito aos resíduos (lixos domésticos, agrícolas e industriais assim como produção de CO2.)
O nosso estilo de vida, claramente integrado na sociedade de consumo atual: a sociedade do descartável, é altamente produtor de resíduos.
De acordo com a publicação no site da Lipor (https://www.lipor.pt/pt/sustentabilidade-e-responsabilidade-social/projetos-de-sustentabilidade/compras-publicas/pegada-ecologica/ consultada em 19-07-2019):

“ A sociedade atual carateriza-se por padrões de consumo exagerados e pela inadequada gestão dos recursos naturais, colocando em risco as gerações futuras. É urgente para o bem comum não gastar mais do que o estritamente necessário no nosso dia-a-dia, de forma a minimizar os desperdícios e, consequentemente, a produção de resíduos ”

Ou seja o objetivo imediato deve ser atingir os 3M (menos resíduos, menos carbono, mais clima)
Nas cidades inteligentes, a gestão dos resíduos que não se possam evitar,  tem de ser pensada de raiz, logo na concepção da estrutura da rede de serviços comuns a prestar pelo município aos seus cidadãos.
Os resíduos podem ser:
- reciclados; (recondicionados ou transformados para o fim original),
- reutilizados (como matéria prima para outros fins);
- armazenados e confinados (guardados em sarcófagos seguros posicionados em locais que não constituam perigo para o ambiente)

Mas em primeiro lugar têm de ser recolhidos!
É aqui que se completa a primeira fase do planeamento urbano: a educação cívica dos cidadãos que se iniciou com a formação de uma mentalidade de consumo responsável.
Esses cidadãos inteligentes (smart people) são um componente base das cidades inteligentes e um dos parâmetros normalmente avaliados nos "rankings" como acontece no sitio referido atrás (www.smart-cities.eu).
Sem "cidadãos inteligentes", com elevada formação e sentido cívico, de pouco valem as infraestruturas das redes urbanas e pouco consegue fazer a gestão municipal mesmo que disponha já dos recursos técnicos e humanos adequados.
O município da Póvoa de Varzim em colaboração com a LIPOR tem feito um esforço tanto no sentido da promoção da reutilização (caso dos sacos plásticos), quanto no sentido da separação e recolha seletiva dos resíduos (projeto de recolha seletiva em curso no centro urbano).
Adicionalmente, com promoção das ações de sensibilização nas escolas tentam envolver as crianças e os adolescentes na responsabilização coletiva pelo ambiente.
Podemos argumentar que este esforço é ainda insuficiente, mas mesmo reconhecendo essa insuficiência, considero que se está no bom caminho para sedimentar na população uma mentalidade ecológica.
A segunda questão que merece reflexão dentro deste tema são os resíduos de origem agrícola. Na nossa região como noutras do litoral Português pratica-se uma agricultura intensiva tanto de hortícolas, como de milho e forragens para alimentação de vacas leiteiras em regime de estábulo. Aqui é feito um uso intensivo de pesticidas químicos que pelo uso continuado e às vezes descontrolado, contaminam os solos e as águas subterrâneas. Por sua vez o uso de espécies vegetais transgénicas ou exóticas, contamina a genética dos ecossistemas autóctones, geralmente diminuindo a biodiversidade e instalando espécies invasoras de difícil erradicação.
As águas residuais não tratadas (águas chocas) das vacarias que regularmente os lavradores lançam na terra como adubo, além de provocarem uma intensa poluição olfativa, contribuem fortemente para a contaminação dos lençóis freáticos.
Este tipo de agricultura deixa uma pegada ecológica muito intensa e bastante nociva, pelo que urge procurar soluções para os problemas que levanta.
Outro grande componente dos resíduos urbanos é o dióxido de carbono produzido pela atividade industrial e pelos transportes rodoviários em especial os veículos de transporte individual. Embora a poluição atmosférica na nossa cidade não seja alarmante e a qualidade do ar seja quasse sempre boa, devemos melhorar a oferta de transporte coletivo e promover ativamente o uso dos veículos elétricos para acompanhar a descarbonização da economia preconizada pelas Nações Unidas.
Como se vê pelo exposto anteriormente mesmo numa cidade cujo lema é: "É bom viver aqui!" ainda há um longo caminho a percorrer no sentido da minimização da pégada ecológica, mesmo pela via das cidades inteligentes.
Como nota final recordo a notícia veiculada por quase todos os orgãos de comunicação social no dia 29 de Julho de 2019. A totalidade dos recursos do planeta disponíveis para um uso regrado durante um ano foi consumida até até esse dia, sendo que a quota desses mesmos recursos alocada aos países mais desenvolvidos entre os quais Portugal se pode incluir foi consumida até ao fim de Maio passado. Para garantirmos a sobrevivência da vida da humanidade e da nossa civilização precisaríamos de quase duas terras e meia. É um facto muito preocupante que demostra que tem de ser feito um esforço muito maior do que o atual na educação ambiental das pessoas, de modo a que a população urbana possa ser considerada ambientalmente inteligente (smart people).

URBANISMO E PEGADA ECOLÓGICA - 2

Urbanismo e  pegada ecológica (Parte 2)
O rasto que a atividade de cada um de nós deixa no planeta, na nossa passagem por este mundo, chama-se pegada ecológica. Esse rasto tem muitos componentes que se podem agrupar em várias classes para conveniência de análise. Um dos agrupamentos usados mais frequentemente é:
- a classe do uso de superfície produtiva para fins alimentares e de residência (terra e mar)
- a classe dos gastos de energia
- a classe dos resíduos e lixos produzidos (construções e artefatos )
- a classe da influência na biodiversidade
A pegada ecológica é atualmente objeto de um estudo intensivo em todo o mundo muito por causa da iminente catástrofe climática que o planeta enfrenta e cujas consequências já começam a fazer-se sentir no imediato em muitos países, incluindo Portugal.
Esta é uma das principais razões pelas quais as gerações mais jovens começam a demonstrar uma maior consciência ecológica e abraçam cada vez mais os movimentos cívicos e políticos que têm as causas ambientais como principal motivo dos seus programas de ação.
Ao nível do urbanismo muitos foram os erros cometidos no passado no planeamento muitas cidades e que em alguns casos, infelizmente ainda continuam a ser cometidos no presente.
A urbanização dos seres humanos foi muito acentuada nos dois últimos séculos levando a que atualmente cerca mais de 54% viva em cidades que se estão a tornar cada vez maiores. (dados das Nações Unidas www.unric.org/pt/....)
A concentração da população nas cidades pode erroneamente levar-nos a pensar que isso diminui o impacto no ambiente derivado a parecerem menores as deslocações e consumo de energia relativamente ao habitat disperso. Na realidade passa-se exatamente o contrário: o consumo energético derivado da mobilidade profissional e de lazer, aliado ao uso mais intenso de máquinas no apoio à atividade económica da sociedade de consumo, faz com que a pegada de cada cidadão tenda a crescer em vez de apresentar a tão almejada diminuição.
Existem calculadoras on-line que nos permitem conhecer a nossa pegada ecológica em termos superfície de terra equivalente para  satisfazer as nossas necessidades de consumo de forma sustentável. Os dados para essa calculadora são enviados respondendo a um questionário sobre os nossos hábitos de consumo. Podemos encontrar essa calculadora em vários sítios da internet como os do exemplo abaixo.
Além desses há também cidades (por exm: Guimarães ) que têm uma versão da calculadora adaptada às suas condições particulares, permitindo resultados com maior grau de precisão. (https://www.cm-guimaraes.pt/p/calc_pegada_ecologica)
Exemplos de sítios onde se pode calcular a pegada ecológica:
www.myfootprint.org
footprint.wwf.org.uk
www.pegadaecologica.org.br
Os resultados médios obtidos nos países mais desenvolvidos indicam que se todos os seres humanos consumissem como nós precisaríamos de mais de 1,6 Terras para sobreviver.
A consciência deste facto tem levado cada vez mais responsáveis políticos e dirigentes de organizações sociais a implementar programas para tentar reverter esta situação em vários dos capítulos mais prejudiciais da atividade humana.
No capítulo da mobilidade urbana a União Europeia tem um programa específico de incentivo ao uso da bicicleta e ao incremento da deslocação da mobilidade pedonal: o programa TRACE .(http://h2020-trace.eu).
 São várias as cidades portuguesas que desenvolvem projetos de largo alcance no âmbito da redução do uso de veículos alimentados a combustíveis fósseis. A Póvoa de Varzim é uma delas.
Ainda recentemente numa entrevista na TV Porto Canal, durante as Festas de S. Pedro o Presidente da Câmara reforçou publicamente que um dos componentes estratégicos da concretização do lema "É bom viver aqui!" é organizar a atividade na cidade de modo a potenciar a mobilidade pedonal e em bicicleta, reduzindo assim já no presente e para o futuro, a pressão dos veículos a motor sobre a cidade.
A intenção é de louvar, contudo a nossa cidade tal como a maiorias das outras, não foi pensada de raiz para ser assim e então temos de fazer contas sobre quanto nos custa essa reorganização do ambiente e da nossa atividade urbana e calcular a verba necessária para esse investimento no futuro. Conhecidos os montantes em causa e a capacidade de produção de valor da geração presente e das próximas gerações futuras, podemos estimar em quantas "prestações" geracionais, podemos pagar a tão desejada evolução.
Os cálculos mais otimistas baseados no pressuposto de não haver guerras nem grandes catástrofes naturais e de que a produtividade do trabalho cresça muito mais do que o nível de consumo das populações, apontam para lá de 2100 o atingir dessa meta. Ora como esta data já está na zona de alerta vermelho ambiental, corremos o risco de naufragar mesmo à beira da praia.
Mais um facto a chamar a nossa atenção para a necessidade da mudança imediata de hábitos individuais e procedimentos  e projetos coletivos.
Para que os nossos filhos e netos também possam dizer que: "É bom viver aqui!" temos de repensar o urbanismo. No próximo artigo iremos abordar uma das vias para um novo urbanismo, amigo das pessoas e da natureza, consubstanciado no conceito de "Cidades Inteligentes" (Smart Cities http://smart-cities.pt). 

26 agosto 2019

URBANISMO E PEGADA ECOLOGICA - 1

URBANISMO E PEGADA ECOLÓGICA -1
Na política e nos negócios é costume dizer-se que não há almoços grátis, o que significa que tudo, mesmo tudo, sejam bens sejam serviços, tem um custo que tem de ser pago por alguém.
Todos os seres vivos, pelo simples facto de existirem, constituem um risco e um encargo para todo o ambiente inanimado ou animado que os rodeia, pois consomem recursos que são globalmente limitados e produzem resíduos que além de não servirem para eles, podem ser ainda prejudiciais para os outros.
Na atividade dos seres humanos em sociedade, o estudo da utilização dos recursos está maioritariamente atribuído à economia e esta disciplina ensina-nos que qualquer recurso tem três classes de custos: 
- O custo de aquisição: aquilo que o consumidor paga para obter a posse ou o usufruto dos bens ou serviços.
- O custo de posse ou de exploração: aquilo que se tem de pagar ao longo do ciclo vida útil do bem ou serviço, para o poder usufruir em pleno. (impostos, manutenção, reposição de consumíveis, etc)
- O custo de reposição das condições iniciais: aquilo que alguém (o consumidor, a sociedade , ou o ambiente) tem de pagar para garantir a continuação da existência dos recursos, da sociedade e da vida. Este último custo também costuma ser designado por custo do apagamento da pegada ecológica. 
O pagamento dos dois primeiros custos está muito bem regulamentado e constitui prática corrente socialmente aceite nas sociedades modernas. Já o custo do apagamento da pegada ecológica é um custo que as pessoas e os governos, em espacial nos últimos dois séculos, se têm furtado a pagar, deixando o seu valor acumular sobre a forma de dívida que é transmitida sistematicamente como herança às gerações seguintes.
 Como e quando vamos pagar essa dívida? Aqui é que está o busilis da questão ambiental. 
É do senso comum atual que quando se posterga uma dívida para pagamento num futuro incerto, quem a vai pagar tem de ter capacidade para ganhar o dinheiro necessário, ou seja, produzir um valor suficiente suportar para a sua existência, isto é: o seu consumo, o seu estilo de vida e, além disso, ser também capaz de fazer o aforro suficiente para ir abatendo à dívida. Caso contrário entra na bancarrota. 
Na natureza passa-se o mesmo que nas sociedades humanas. A nossa dívida é a pegada ecológica que deixamos: esgotamento de recursos ambientais e acumulação de resíduos inúteis ou mesmo tóxicos para nós e /ou para o ambiente. 
Todos estamos cientes da emergência climática resultante da acumulação na atmosfera, de um excesso de dióxido de carbono, que é maioritariamente um resíduo do consumo energético dos seres humanos nos últimos duzentos anos, pelo uso de combustíveis fósseis, especialmente carvão e petróleo. Mas , infelizmente, não é a única componente da dívida que as gerações anteriores contraíram e a atual geração aumentou, graças ao consumo desenfreado resultante do nosso tipo de sociedade, corretamente chamada de sociedade de consumo. 
A extinção de espécies, a perda de biodiversidade, a poluição e o esgotamento de fontes de água potável, são entre muitos, outros importantes componentes de uma dívida que continua a aumentar. 
O curioso é que esta dívida se formou em simultâneo com um gigantesco aumento da produtividade do trabalho e um grande aumento da taxa de urbanização das sociedades. Até parece um contrassenso, pois produzir mais com menos pessoas e viver em aglomerados maiores, à primeira vista parece que é menos custoso para todos, no mínimo pelos benefícios da economia de escala. 
Esta calamidade iminente, significa que o urbanismo, pelo menos o dos últimos duzentos anos, foi globalmente muito negligente, com consequências que ameaçam tornar-se numa catástrofe global para a ecologia do planeta. 
Fizemos crescer as cidades existentes e construímos muitas novas, sem atender à terceira classe dos custos: o custo da reposição das condições iniciais existentes no princípio da era industrial. 
Se Deus ou a natureza, nos viessem exigir hoje o pagamento daquilo que estragamos ou alteramos no ambiente, a geração atual não tinha como o fazer: estávamos condenados e condenávamos todos os demais seres vivos inocentes.
Continua...
Publicado no Jornal Maissemanário - Póvoa de Varzim