26 agosto 2019

URBANISMO E PEGADA ECOLOGICA - 1

URBANISMO E PEGADA ECOLÓGICA -1
Na política e nos negócios é costume dizer-se que não há almoços grátis, o que significa que tudo, mesmo tudo, sejam bens sejam serviços, tem um custo que tem de ser pago por alguém.
Todos os seres vivos, pelo simples facto de existirem, constituem um risco e um encargo para todo o ambiente inanimado ou animado que os rodeia, pois consomem recursos que são globalmente limitados e produzem resíduos que além de não servirem para eles, podem ser ainda prejudiciais para os outros.
Na atividade dos seres humanos em sociedade, o estudo da utilização dos recursos está maioritariamente atribuído à economia e esta disciplina ensina-nos que qualquer recurso tem três classes de custos: 
- O custo de aquisição: aquilo que o consumidor paga para obter a posse ou o usufruto dos bens ou serviços.
- O custo de posse ou de exploração: aquilo que se tem de pagar ao longo do ciclo vida útil do bem ou serviço, para o poder usufruir em pleno. (impostos, manutenção, reposição de consumíveis, etc)
- O custo de reposição das condições iniciais: aquilo que alguém (o consumidor, a sociedade , ou o ambiente) tem de pagar para garantir a continuação da existência dos recursos, da sociedade e da vida. Este último custo também costuma ser designado por custo do apagamento da pegada ecológica. 
O pagamento dos dois primeiros custos está muito bem regulamentado e constitui prática corrente socialmente aceite nas sociedades modernas. Já o custo do apagamento da pegada ecológica é um custo que as pessoas e os governos, em espacial nos últimos dois séculos, se têm furtado a pagar, deixando o seu valor acumular sobre a forma de dívida que é transmitida sistematicamente como herança às gerações seguintes.
 Como e quando vamos pagar essa dívida? Aqui é que está o busilis da questão ambiental. 
É do senso comum atual que quando se posterga uma dívida para pagamento num futuro incerto, quem a vai pagar tem de ter capacidade para ganhar o dinheiro necessário, ou seja, produzir um valor suficiente suportar para a sua existência, isto é: o seu consumo, o seu estilo de vida e, além disso, ser também capaz de fazer o aforro suficiente para ir abatendo à dívida. Caso contrário entra na bancarrota. 
Na natureza passa-se o mesmo que nas sociedades humanas. A nossa dívida é a pegada ecológica que deixamos: esgotamento de recursos ambientais e acumulação de resíduos inúteis ou mesmo tóxicos para nós e /ou para o ambiente. 
Todos estamos cientes da emergência climática resultante da acumulação na atmosfera, de um excesso de dióxido de carbono, que é maioritariamente um resíduo do consumo energético dos seres humanos nos últimos duzentos anos, pelo uso de combustíveis fósseis, especialmente carvão e petróleo. Mas , infelizmente, não é a única componente da dívida que as gerações anteriores contraíram e a atual geração aumentou, graças ao consumo desenfreado resultante do nosso tipo de sociedade, corretamente chamada de sociedade de consumo. 
A extinção de espécies, a perda de biodiversidade, a poluição e o esgotamento de fontes de água potável, são entre muitos, outros importantes componentes de uma dívida que continua a aumentar. 
O curioso é que esta dívida se formou em simultâneo com um gigantesco aumento da produtividade do trabalho e um grande aumento da taxa de urbanização das sociedades. Até parece um contrassenso, pois produzir mais com menos pessoas e viver em aglomerados maiores, à primeira vista parece que é menos custoso para todos, no mínimo pelos benefícios da economia de escala. 
Esta calamidade iminente, significa que o urbanismo, pelo menos o dos últimos duzentos anos, foi globalmente muito negligente, com consequências que ameaçam tornar-se numa catástrofe global para a ecologia do planeta. 
Fizemos crescer as cidades existentes e construímos muitas novas, sem atender à terceira classe dos custos: o custo da reposição das condições iniciais existentes no princípio da era industrial. 
Se Deus ou a natureza, nos viessem exigir hoje o pagamento daquilo que estragamos ou alteramos no ambiente, a geração atual não tinha como o fazer: estávamos condenados e condenávamos todos os demais seres vivos inocentes.
Continua...
Publicado no Jornal Maissemanário - Póvoa de Varzim 

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