14 março 2020

Da Guerra - 1

DA GUERRA E OUTRAS EMERGÊNCIAS CATASTRÓFICAS


Nesta sexta feira 13 de Março de 2020, estamos a viver em pleno a primeira grande situação de emergência sanitária, económica e social, planetária deste século, que mais cedo do que se pensa, se tornará uma emergência política global. (Oxalá me engane!)
Quando qualquer emergência se torna política, muita gente, em especial a do círculo do poder, tem a tentação de usar para solucionar os problemas, a extensão da política designada por guerra (Lao-Tse e Sun-Tsu em “ A arte da guerra” ; Von Clauswitz “ Da Guerra”). E debaixo do terror infundido pela situação de emergência a população em geral fica predisposta aceitar um líder salvador que atue em nome de interesses superiores ou divinos. Não é por acaso que as grandes ideologias messiânicas do Sec XX se apoiaram maioritariamente no seguimento de um líder carismático, na maior parte das vezes um ditador que se serviu ou ainda serve, do populismo e da visão simplista e maniqueista do mundo, para dar esperança às massas dos seus países que atravessavam períodos de stress social extremo.
Então se estamos ou nos espera uma situação de guerra o melhor é estarmos bem esclarecidos sobre essa coisa catastrófica que é a guerra.

Em primeiro lugar vamos definir essa coisa que é a guerra.

Não será com certeza a definição canónica de Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz, pois a guerra como extensão da política ou uma forma de fazer política por outros meios é aplicável apenas às sociedades humanas organizadas. Complementarmente Von Clausewitz também definiu a guerra como “um ato de violência destinada a obrigar o adversário a cumprir a nossa vontade.” O que não deixa de ser etimologicamente a assunção de que um dos beligerantes, o vencedor, cessa a violência dos atos de guerra, quando os outros se declarem submissos à sua vontade. Isto é jogo político puro, dentro do pressuposto de Lazarus Long personagem de vários livros de SciFi do escritor Robert Heinlein que no seu livro Bloco de Notas de Lazarus Long afirma “ o homem é uma espécie que não tem predador natural em toda a galáxia pelo que tem de ser a própria espécie a fornecer os seus predadores”.

Para o âmbito desde artigo é necessário definir guerra de um modo mais geral. A minha sugestão é que “guerra é todo o conjunto de ações de uma entidade individual ou coletiva destinada a obter para si o controlo de recursos escassos, em detrimento de outras entidades que necessitem dos mesmos recursos”.
A guerra é ela própria uma consumidora de recursos que limitam as disponibilidades globais.  
Na guerra os beligerantes são designados por inimigos.

Assim, em termos biológicos, de acordo com esta definição, existem guerras intraespécie (guerras entre indivíduos ou grupos ou organizações da mesma espécie) e guerras interespécies. 
 
As guerras são o procedimento que implementa a lei da seleção natural de Charles Darwin na evolução das espécies. 

A guerra intraespécie destina-se a propagar os genes mais aptos, através das linhagens mais bem sucedidas no controlo dos recursos escassos. Isso em geral melhora a adaptação das espécies às condições do ambiente, permitindo a maximização do usufruto dos recursos. 

Ao longo da sua existência na terra, a vida encontrou muitas estratégias para cumprir o seu objetivo : - a maximização da quantidade e variabilidade de genes transmitidos à próxima geração. Vou enumerar algumas das mais usadas.

No caso da luta intraespécie:

1- Luta entre machos ou fêmeas dominantes pelo controlo de recursos.
2 – Caça e domínio territorial em grupo (enxames e outras formas de usufruto coletivo de recursos).
3 – No caso da espécie humana, formação organizações sociais: cidades, estados e organizações de estados.

No caso da luta interespécies:

1 – Combate entre indivíduos de espécies diferentes com o objetivo da aniquilação do inimigo sem o utilizar a ele ou aos seus recursos, para suprir as suas próprias necessidades.
2 - Combate entre indivíduos de espécies diferentes com o objetivo de expulsar o inimigo para outros territórios ou outros nichos de recursos.
3 – Exploração cooperativa ou simbiótica assimétrica dos recursos do inimigo passando este à condição de dependente
4 – Parasitismo: roubar para si recursos obtidos ou fabricados por outros indivíduos sem necessidade da sua morte imediata.
5 – Predador em cadeia alimentar: aniquilar o inimigo individual, com o objetivo de o utilizar a ele ou aos seus recursos, como matéria prima da sua alimentação. Na cadeia alimentar, nunca se procura eliminar completamente a espécie inimiga, mas apenas condicionar o número dos seus elementos às necessidades da espécie predadora.

Em suma o objetivo final guerra é terminar a luta com uma paz vantajosa para o vencedor, pois esta, no fundo, atrasa a expansão das espécies beligerantes. Isto é a guerra justificada pela biologia.

Definida a guerra e enumeradas as formas mais comuns, vamos tratar dos objetos e meios usados na guerra. Devido ao seu grande número e diversidade vou apresentá-los agrupados em classes ou níveis.

Nível Zero
Neste nível, os indivíduos lutam utilizando como arma os recursos do seu próprio corpo: energia, membros, e produtos químicos.
Exemplo: dar pancadas, morder, lançar ou injetar venenos, comer os ovos ou as crias etc.

Nível Um
Neste nível os indivíduos lutam utilizando como arma recursos externos ao seu próprio corpo no estado em que eles se encontram na natureza.
Exemplo: dar pancadas com pedras e paus, deixar cair as vítimas para os matar.

Nível Dois
Neste nível os indivíduos lutam utilizando como arma recursos externos ao seu próprio corpo, manufaturando objetos por transformação de matérias que se encontram na natureza.
Exemplo: Espadas, lanças , escudos, veículos, armas de fogo, bombas atómicas, armas químicas, etc.


Nível Três
Neste nível os indivíduos lutam utilizando como arma recursos e internos externos ao seu próprio corpo, manufaturando objetos e procedimentos ou informação atuante (1) que interfiram com a organização das atividades internas ou com a organização social ou coletiva do inimigo, difundindo essa informação atuante (1) ou utilizando máquinas cibernéticas para a sua difusão ou introdução na estrutura dos indivíduos ou das organizações inimigas por forma a manipular atuação, as decisões ou a estrutura funcional do inimigo.
Exemplo: Vírus informáticos ou biológicos, programas ou procedimentos interferentes, notícias falsas, camaleonismo e mimetização de outras espécies.

(1) Chama-se informação atuante ao conjunto de dados ou instruções que possam ser executadas ou processadas por um sistema processador para produzir efeitos pré-determinados pela mesma informação.

Em geral na guerra de nível 3, os custos energéticos, materiais e a quantidade de informação envolvidos, são de valor pouco significativo em relação aos efeitos que produzem no inimigo.
Este é o tipo de guerra mais eficaz e mais barato que os indivíduos, as organizações ou as espécies dispôem para atingir os seus objetivos de aniquilação ou sujeição do inimigo.

Os vírus são a arma de eleição para a guerra entre espécies, ou entre organizações. Na realidade são “drones” biológicos autónomos capazes de atuar sozinhos contra o inimigo remoto levando esse inimigo a reproduzir os soldados que são os carrascos da sua própria destruição. Na guerra com armas de nível três não explodimos o inimigo, fazemo-lo implodir, submetendo-o aos nossos próprios desígnios, sem gastarmos os nossos próprios recursos materiais ou energéticos e quase sem alterar a nossa estrutura funcional.

Continua …..
Na segunda parte deste artigo será analisado em particular, à luz desta visão, o caso do COVID 19

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