15 setembro 2017

Progressista? - Parte 1

Dizia-me recentemente um amigo: “Não sei que resposta devo dar ao meu filho, que entrou para a universidade e quer um conselho para saber se deve ser de esquerda, de direita ou do centro. Todas as ideologias falharam no passado, continuam a falhar no presente e não nos convencem para o futuro. As ideologias e os ‘ismos’ parecem coisas do século passado. Que posição política lhe devo dizer para tomar? ”

Por isso decidi escrever este artigo para dar bases para uma decisão lógica e eticamente fundamentada.
Em primeiro lugar temos de definir muito bem o que é uma ideologia. Para o âmbito deste artigo defino como ideologia um conjunto de crenças, ou seja, conhecimentos presumidos como certos, sem que se consiga validá-los pelo uso do método científico (sujeição ao debate contraditório feito interpares, para validação lógica da coerência interna e aderência à realidade, pela comparação de resultados experimentais obtidos de forma independente por diversos observadores em ensaios passiveis de  repetição).
Muitas vezes essas crenças até podem ter associados rituais de difusão que as podem mascarar de ciência baseada na “autoridade” ou prestígio de quem as divulga. Contudo, no fundo, não se distinguem das religiões reveladas, acredita-se pela  fé e não pela razão.
O direito de ter crenças, muitas vezes designado por direito de opinião, é um direito da esfera da privacidade individual universalmente aceite na atualidade. Acredita quem quiser e na sua esfera de privacidade não precisa de confirmação ou autorização. Não pode nem tem justificação para impor a sua crença a outros.
Grande parte da “ciência” e prática políticas são baseadas em crenças. As mais difundidas nas diferentes sociedades do sec. XXI são:
  • - Crença no nacionalismo corporativo - crença na bondade e adequação , do modo de produção capitalista ao ambiente social, económico e tecnológico do mundo atual, com protecionismo intenso dos estados nação e com o relacionamento económico e social internacional baseado no bilateralismo. Internamente, em cada país, baseia-se no valor absoluto do estado e das corporações em detrimento das pessoas. Em termos sociais muitas vezes baseia-se na premissa de uma etnia, casta ou nação historicamente predestinadas a deter o monopólio do desenvolvimento civilizacional e do controlo da sociedade, lideradas por um chefe divinizado. Este tipo de crença deu sempre origem a estados totalitários suportados por métodos de decisão ditatoriais (antidemocráticos) fortemente repressivos (Exm: nazismo; fascismo e suas variantes.)
  • - Crença no capitalismo  – crença na bondade e adequação , do modo de produção capitalista ao ambiente social, económico e tecnológico do mundo atual, da economia de mercado, aberta autorregulada e internacionalizada,  do papel subsidiário do estado e do papel determinante da iniciativa e propriedade individuais ou privadas. Esta crença tem diversas matizes ou “sabores” que diferem em questões de pormenor como por exemplo : liberalismo, monetarismo, keynesianismo, economia global, etc.
  • - Crença republicana - crença na bondade e adequação dos valores de Liberdade Igualdade e Fraternidade, ao ambiente social, económico e tecnológico do mundo atual, que são considerados fundamentais na política, na economia e na sociedade em geral. Esta é a crença matriz da sociedade moderna e dela derivam direta ou indiretamente todas as outras. Esta crença rejeita os privilégios de superioridade de pessoas, etnias e classes sociais.
  • - Crença na democracia -  crença na bondade e adequação ao ambiente social, económico e tecnológico do mundo atual, do método de decisão e gestão coletivos com participação de todos os cidadãos, deforma  direta ou por intermédio de representantes,  independentemente da sua condição social, económica, étnica, género ou outra.
  • - Crença no socialismo – crença na bondade e adequação ao ambiente social, económico e tecnológico do mundo atual do modo de produção capitalista, da economia mista (uma parte economia de mercado principalmente operada por agentes particulares ou privados e outra parte significativa controlada pelo estado ou por agentes para estatais como municípios e outras entidades “públicas” incluindo cooperativas e instituições sem “fins lucrativos”) a funcionar em regime de economia parcial ou totalmente planificada. Alguns dos setores controlados pelo estado (mesmo que concessionados a privados) funcionam  muitas vezes em regime de monopólio. Em termos de relacionamento económico internacional ou interestatal, defende o multilateralismo regulamentado e o mercado internacional regulado.  Neste tipo de crença o estado tem o papel principal e determinante no funcionamento da economia e da sociedade, quer como agente quer como regulador. Esta crença tem diversas matizes ou “sabores” que diferem em questões de pormenor como por exemplo : socialismo, social democracia, economia social de mercado, socialismo escandinavo, etc.
  • - Crença no comunismo - crença na bondade e adequação ao ambiente social, económico e tecnológico do mundo atual do modo de produção capitalista, baseado em economia integralmente planificada e gerida quase em exclusivo pelo estado e entidades para estatais subordinadas aos interesses de uma classe social historicamente predestinada a deter o monopólio do desenvolvimento civilizacional e do controlo da sociedade, liderada por um partido ou uma fração de referência. Este tipo de crença deu quase sempre origem a estados totalitários suportados por métodos de decisão com pouca ou nenhuma democracia real mesmo dentro da classe social apoiante. Embora atualmente minoritária e mesmo residual em  quase todos os continentes, esta crença, ainda assim, consegue ter diversas matizes ou “sabores” que diferem em questões de pormenor como por exemplo: marxismo-leninismo, maoismo, socialismo científico, socialismo revolucionário, democracia popular, etc.
Baseado na posição em que se dispunham os deputados do primeiro no parlamento francês posteriormente no inglês, convenciona-se atribuir à primeira a etiqueta de “Extrema direita”. À segunda apelida-se  de “Direita” . Às terceira e quarta atribuiu-se o rótulo de “Centro”.  À penúltima deu-se o nome de “Esquerda” e à última de “ Extrema Esquerda”, designações estas que já perduram desde a revolução francesa de 1789 que instituiu a república francesa.
De qualquer modo as classificações anteriores das ideologias são elas mesmas, como em qualquer ideologia, marcadamente subjetivas, sem qualquer fundamentação científica ou ética.
Em meu entender, se quisermos libertar-nos das malhas da subjetividade e encontrar uma forma objetiva de classificação, precisamos de um critério de avaliação, baseado em variáveis sociais mensuráveis.
O desenvolvimento económico e  social pode aferir-se por um conjunto de variáveis quantificáveis, de cuja evolução no tempo existem registos fiáveis, desde há milénios.
Se considerarmos as variáveis:
  • - Paz, justiça e segurança (tempo de; ou então  número de pessoas abrangidas )
  • - Disponibilidade alimentar ( por pessoa  ou número de pessoas abrangidas)
  • - Proteção na doença e promoção da saúde ( número de pessoas abrangidas)
  • - Habitação familiar digna ( número de pessoas abrangidas)
  • - Disponibilidade de trabalho digno justamente remunerado ( número de pessoas abrangidas)
  • - Disponibilidade de mobilidade geográfica ( número de pessoas abrangidas)
  • - Uso de bens materiais e consumo de serviços pessoais e coletivos ( número de pessoas abrangidas ou então rendimento per capita)
  • - Exercício das liberdades cívicas e políticas ( número de pessoas abrangidas)
  • - Acesso à educação cívica, artística, científica e tecnológica: literacia  ( número de pessoas abrangidas)
  • - Igualdade perante a lei, perante os bens materiais e perante os bens “espirituais” ou de informação ( número de pessoas abrangidas)
  • - Satisfação ou felicidade com o seu estatuto social (número de pessoas abrangidas)
  • e muitas outras…
Verificamos que ao longo da história os seus valores foram sempre crescentes considerando intervalos de médio e longo prazo, com curtas inflexões em períodos de catástrofe, epidemia ou guerra.
Nas sociedades, esse crescimento foi sempre suportado pelo aumento dos conhecimentos científicos e das tecnologias deles derivadas. A essa evolução chamamos melhoria civilizacional, desenvolvimento ou progresso.
O progresso embora seja fortemente desejado pela a maioria dos seres humanos, tem opositores e em alguns casos pessoas que desejam que a mudança que provoca, seja feita de forma mais pausada, salvaguardando a estabilidade em detrimento da possível melhoria das condições de vida.
O progresso tem uma justificação económica devidamente fundamentada conforme demonstrei na série de artigos publicados no meu Blog (http://penanet.blogspot.com) sob o título “Visão não marxista da teoria do Valor”. Genericamente o progresso corresponde a uma cada vez maior proporção de “Trabalho Humano Indireto -TI”, incorporada nos bens e serviços produzidos pela sociedade, conseguida pela incorporação de ciência e tecnologia, maquinização, automatização e robotização das atividades económicas e atualmente incorporando também a chamada Inteligência Artificial.    
Aos adeptos incondicionais do progresso, da mudança para melhor ( em especial das condições materiais ) sempre dispostos a ser os primeiros a beneficiar e aplicar as últimas descobertas científico – técnicas, chamo Progressistas.
Aos opositores ao progresso, que pretendem manter a todo o custo a estrutura social, e económica e política , eu chamo Reacionários.
Aos que pretendem uma mudança pausada, ponderada, feita de pequenos passos justificados pela necessidade de prudência, que não ponha em causa a estabilidade social, económica e política eu chamo Conservadores.

Em geral a atitude dos reacionários e dos conservadores esconde a defesa de privilégios de classe ou de grupo social e em termos pessoais representa o medo da mudança.
É pois compreensível, embora pareça contradizer o senso comum, que uma pessoa ou um partido de esquerda possam ter uma atitude reacionária enquanto que outra pessoa adepta ou militante de um partido de direita possa ter uma atitude progressista.
Verifica-se empiricamente que uma franca maioria de pessoas de esquerda são progressistas enquanto uma maioria das pessoas do centro são conservadores e as pessoas de extrema direita são reacionárias, intolerantes e sectárias.  Também se verifica empiricamente que uma parte significativa de pessoas conotadas com a extrema esquerda são igualmente intolerantes reacionárias e sectárias. Daí a expressão popular : “ Os extremos tocam-se!”

Na politica os partidos são organizações vocacionadas para o exercício do poder de estado apoiando-se em ideologias e pugnam por causas específicas.
Por exemplo: os partidos socialistas e social democratas perfilham um qualquer sabor de ideologia socialista e pretendem materializar a sua ideologia, pugnando por várias causas como a da educação, das liberdades cívicas, da igualdade de género, da proteção às minorias e aos mais desfavorecidos economicamente, proteção de estado na saúde e no desemprego, crescimento sustentável, distribuição equitativa da riqueza produzida e outras.
Outro exemplo: os partidos ambientalistas e ecologistas perfilham em geral ideologia republicana (algumas vezes socialista) e pugnam pela causa de um ambiente melhor e defesa da natureza, com a humanidade aí devidamente integrada, como utilizador responsável e não como predador descontrolado.
Mais um exemplo: os partidos comunistas embora formalmente se filiem na ideologia republicana, admitem que a classe operária industrial, está predestinada a governar o mundo, por direito natural, pois acreditam que tem uma superioridade moral e cumpre o desígnio superior que lhe confere o dever histórico de libertar a humanidade da exploração. A sua causa principal é a melhoria das condições de vida das classes trabalhadoras, através da economia planificada e do exercício do poder de estado em regime absolutista.
Ainda outro exemplo: os partidos liberais subscrevem a ideologia capitalista e pugnam por causas como: um estado mínimo com baixos impostos, liberalização da ação para as empresas, privatização de todos os recursos económicos, desregulamentação dos mercados, incluindo o mercado laboral e os mercados financeiros. Muitas vezes debaixo da sua capa de liberalismo muitos desses partidos especialmente na sua versão neoliberal suportaram e suportam estados totalitários com pouca ou nenhuma democracia e forte limitação das liberdades individuais e até mesmo ditaduras opressivas como a ditadura de Pinochet no Chile. Modernamente o governo do presidente D. Trump nos USA é uma mais tentativa neoliberal de limitação dos direitos sociais, cívicos e mesmo democráticos dos cidadãos norte americanos.

Na segunda parte deste artigo procurarei formular um critério baseado num conjunto de causas cívicas e nas ideologias republicana e democrática, para tomar uma opção política progressista suportando como militante ou simples apoiante partidos políticos ou organizações de ativismo cívico que cumpram esse critério.
  
 

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