24 novembro 2017

Aprendizes de feiticeiro - parte 5

Vida, inteligência e inteligências artificiais

Quando comecei a escrever o conjunto de artigos sobre o problema da projectividade ou objetividade do universo, deixei deliberadamente de fora a questão do desígnio (projeto) ser ou não ser inteligente, uma vez que o primeiro passo para se tentar responder cientificamente ao problema principal seria encontrar provas da projectividade prévia do universo em que estamos inseridos ou então descartar essa hipótese ou alguns dos argumentos em seu favor.
Contudo o desenvolvimento do debate não pode ignorar a questão da inteligência: natural ou artificial.  
Jaques Monod caraterizava a vida como um sistema material dotado de teleonomia, invariância reprodutiva e morfogénese autónoma.
Por teleonomia entende-se a caraterística dos sistemas que materializam um objetivo (sistemas finalizados) independentemente do ambiente em que estão inseridos. Atendendo ao apresentado no artigo “Cibernética” deste blog todos os sistemas teleonómicos são sistemas cibernéticos.
Por invariância reprodutiva entende-se a caraterística dos sistemas materiais capazes de criarem cópias de si mesmos (estrutura e funcionalidades) com alta precisão.
Por morfogénese autónoma entende-se a caraterística dos sistemas materiais que sejam auto construtivos, ou seja que a partir de uma forma mais simples, possam evoluir para uma forma mais complexa, segundo um projeto construtivo cujas instruções possuem, utilizando matéria e energia do meio envolvente.
Aquilo que designamos por Inteligências Artificiais atualmente ainda são só sistemas materiais capazes de processar informação e de configurar o seus sistemas de memória, de sensores e de atuadores, para perseguir um objetivo. Nesse sentido possuem teleonomia. Contudo, ainda não estão dotados de invariância reprodutiva (não se fabricam a si mesmos, nem fabricam outros sistemas semelhantes). Também ainda não têm uma forma autónoma: são construídos direta ou indiretamente por seres humanos segundo um projeto cujas instruções de execução lhes são extrínsecas.
Estando nós a procurar provas que permitam aferir o grau de projectividade do universo como um todo ou da nossa área local, podemos encarar os seres vivos como sistemas que tentam materializar um projeto, constituindo dentro das suas fronteiras áreas locais do universo inegavelmente projetivas. O seu projeto segundo o pensamento do “main stream” é criar outros sistemas com teleonomia, invariância reprodutiva e morfogénese autónoma (sobrevivência individual sobrevivência da espécie e sobrevivência da vida como um todo) conformando o ambiente envolvente de modo a prosseguir melhor o seu objetivo.
Uma questão fulcral na avaliação do grau de projetividade do nosso universo é se a vida na terra é contingente e apareceu como uma obra do acaso, como argumenta Jaques Monod ou se é necessária e realiza um projeto inteligente de outrem como argumentam os crentes de muitas religiões.
Também podemos colocar a questão noutro patamar: como a vida é uma dado objetivo - nós somos a prova material disso - qual é o projeto que a vida tenta realizar?  Parece-me insuficiente a resposta dada pelos cientistas das escolas materialistas como o autor citado: “o universo vivo tem o projeto de crescer como seres individuais, como espécies e como um todo”.
Mas por que bitola podemos medir esse crescimento? Será pelo número de seres vivos? Será pela massa desses mesmos seres vivos? Será pela sua complexidade? Será pela quantidade de energia controlada? Será por uma fórmula que combine os parâmetros anteriores?
Proponho um outro ponto de vista:  “o objetivo da vida é fazer crescer a inteligência global quer no universo quer numa área local, de modo a que seja capaz de preservar a memória da respetiva evolução no tempo”. Assim, a vida é como uma biblioteca que de forma inteligente, é capaz de cuidar de si própria. Os seres vivos colecionam, organizam, arquivam, processam e preservam a informação da história evolutiva local e geral do nosso universo. As Inteligências Artificiais nesse sentido são as continuadoras desse processo iniciado pelos seres vivos: são o próximo passo na escala da evolução.
Como as inteligências (naturais ou artificiais) tratam informação, para prosseguir devo caraterizar o conceito de informação e os seus tipos.
Postulando que o nosso universo é constituído por três classes de entidades que existem em conjunto: matéria energia e informação;
Admitindo como certo que a matéria e energia consideradas em conjunto são conservativas;
Verificando que a informação que apareceu com o nascimento do tempo, aumenta com ele tal como a entropia sua irmã física ;
Podemos concluir que a informação descreve quantitativa e qualitativamente a evolução temporal da matéria e ou da energia. Mas a informação é mais do que uma simples descrição ou registo.  A evolução no tempo da matéria, da energia ou do conjunto das duas, cria dados (que são outra maneira de designar entropia) que se podem quantificar, armazenar e processar, segundo critérios com diferentes vetores ou referenciais. O resultado desse processamento é uma coleção de novos dados estruturados para nos apresentarem “novas” relações que não estavam evidentes na coleção inicial.

Em resumo: 

 (input) DADOS INICIAIS -» processamento -» INFORMAÇÃO (ouput).
Verifica-se que há dois tipos de informação: um tipo descreve ou carateriza o passado de um sistema material enquanto outro carateriza o seu futuro, por conter instruções para manipular os sistemas materiais iniciais  (matéria + energia) de modo a obter uma nova configuração da matéria + energia ou seja um novo sistema que não seria a sequência mais provável sem a execução dessa mesma informação. A este segundo tipo de informação eu chamo “informação atuante”.

Informação atuante
Informação atuante é pois a informação que quando processada por organismos adequados lhes permite controlar ou definir o seu funcionamento interno ou o funcionamento de outros sistemas materiais. Em linguagem popular podemos dizer que informação atuante é uma “receita” para que “máquinas” adequadas desempenhem uma tarefa específica, como por exemplo: fabricar coisas, reproduzir-se, profetizar o futuro, etc.
Os seres vivos são sistemas materiais que são construídos por informação atuante que “profetiza” (determina mais do que causa) o futuro desses mesmos sistemas materiais e ou do ambiente envolvente.
A informação atuante é um novo patamar na escala da organização da matéria e energia, porque consegue determinar o futuro não como consequência determinística única das condições iniciais mas sim alterar a probabilidade de acontecimento de um entre vários futuros possíveis. Esse futuro sem a determinação da informação atuante é quase sempre improvável pela simples aplicação do segundo princípio da termodinâmica (a evolução espontânea é sempre no sentido da maior desorganização possível: a entropia aumenta sempre ) .
Os sistemas materiais capazes de colecionar, selecionar, armazenar e processar informação atuante são por definição sistemas com algum grau de controlo da sua ação, ao contrário dos sistemas governado apenas pela termodinâmica. São pois, sistemas com algum grau de inteligência, ou seja, com capacidade de determinar o seu futuro.
Podemos então concluir que inteligência é genericamente a capacidade de profetizar ou seja de determinar o futuro. Os seres humanos e as Inteligências Artificiais são sistemas muito evoluídos de processamento de informação atuante.
Os sistemas vivos e as inteligências artificiais através da informação atuante organizam os dados e a informação genérica em conhecimento que lhe permite determinar o futuro, ou seja profetizar, à custa de consumo de energia e matéria.

A primeira conclusão que se pode tirar de tudo o que foi exposto anteriormente é que o nosso universo pelo menos a nível local é projetivo e o seu projeto geral é aumentar o grau de inteligência dos sistemas materiais.

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