01 abril 2020

Tempos perigosos - 2

O dinheiro não se come
Nestes tempos de crise COVID19, a maior consequência não é a morte dos velhinhos, crianças e doentes , que infelizmente pelas leis da natureza, morreriam mais cedo ou mais tarde, desta doença ou de outra causa, na melhor das hipóteses a senilidade.  Com isto não quero desvalorizar a vida humana, que é para mim o valor nº1. Serve apenas para chamar a atenção dos leitores que as perdas de vidas diretas e indiretas vão ser muitas mais do que as atrás referidas.
A maior desgraça que nos espera é a morte da economia e do modo de vida da sociedade de consumo que nós conhecemos. E, isso implica muitas mais fatalidades individuais, familiares ou possivelmente cidades e nações inteiras, causadas pelas doenças pela fome e pela desestruturação familiar e social.
No mundo atual vive-se para o imediato ("Just in Time" - é o termo usado nos negócios), produz-se para ser consumido imediatamente, com stock zero. Todos os recursos da sociedade: economia, administração de justiça , governação e política, sistemas de saúde, forças de segurança pública e mesmo as forças militares, estão a atuar formatadas minimalistas,  para o imediatismo, sem reservas nem redundâncias, confiantes que a rede social globalizada suportaria qualquer abalo ou catástrofe.
Com a paralização forçada do aparelho produtivo devido às quarentenas, em quase todos os setores, a curto prazo, irão faltar bens e a produção de serviços não essenciais está paralizada. Ainda só temos pouco mais de duas semanas de economia quase parada e já quase não há serviços não essenciais e as fábricas já estão a ficar quase todas paradas e nada produzem.
A solução que os governos em geral propuseram foi dar dinheiro às empresas para estas poderem pagar aos seus empregados e não encerrarem atividade, entrando em falência.
Contudo, depois de esgotado o stock, o dinheiro não consegue comprar nada, e, como dizia dizia Papalagui : "O dinheiro não se come!". Resta o desemprego, a fome e o caos social, com o que eu pessoalmente já convivi em África, no final do séc. XX e princípio do séc. XXI. Mas, nesses casos, as causas eram as epidemias conhecidas, como a malária e a cólera e as causas de origem humana como: a guerra, a negligência, a má governação e a corrupção. Os resultados destas desgraças conhecidas são milhões de mortos anuais, só que longe da vista e do coração do mundo dos países economicamente favorecidos.
Isto significa que a solução de dar dinheiro sem pôr as fabricas de bens e serviços a funcionar, quase não serve para nada passado pouco tempo. A  solução verdadeira para o problema global que enfrentamos, não era essa como já foi demonstrado pelos matemáticos, em muitas simulações deste tipo de cenários.
O cenário mais parecido com o que se está a passar é o de uma guerra global, em que o inimigo é invisível e desconhecido. Como estamos numa situação de guerra,  é obrigatório ter uma economia de guerra e toda a sociedade organizada e mobilizada para a luta.
Como já foi demonstrado no artigo do meu blog numa série de 13 artigos denominada "Uma visão não marxista da teoria dovalor" , em particular o  8º artigo.  https://penanet.blogspot.com/2013/06/uma-visao-pos-marxista-da-teoria-do_3327.html
o dinheiro (papel/moeda ou dinheiro digital) é apenas uma nota de dívida que fica saldada na transação comercial, em que se muda o título de propriedade de um bem ou usufruto de um serviço, contra o recebimento de uma porção de dinheiro que para o recetor é apenas a possibilidade de permitir por troca comercial a sua conversão em outros títulos de propriedade ou de usufruto que lhe sejam necessários, criando-se com isto um fluxo de permuta comercial entre os seres humanos ou entre as instituições.
Quando por qualquer razão o dinheiro não pode ser convertido em bens ou serviços necessários para quem o possui, deixa de ter valor. Isto significa que o dinheiro como um motor da economia, garantia do fluxo económico de valor (bens e serviços), precisa que todo o setor produtivo esteja em pleno funcionamento.
Ora , nesta crise mundial, há uma paralização não do comércio, mas sim do aparelho produtivo com uma redução drástica da capacidade produtiva global, pelo menos no imediato (um ano de duração). Logo, a injeção de papel moeda na circulação económica, apenas vai atuar enquanto existir stock. Depois o dinheiro desvaloriza-se ou seja, aparece a inflação descontrolada com os seus já conhecidos efeitos colaterais.
Portanto, como se vê, o problema não é a falta de dinheiro em circulação como contrapartida do valor produzido pela sociedade, mas sim, a necessidade de reorganizar a produção de forma adequada às necessidades de consumo de uma economia global de guerra. Daí que o papel principal dos estados seja reorganizar a economia, aplicando as forças produtivas de capital e trabalho, na satisfação das necessidades sociais neste período de crise. Ninguém, pessoa ou empresa, que seja apto para a produção de valor económico pode ser descartado ou aplicar a sua capacidade de forma avulsa ou desorganizada. É aqui que entra o verdadeiro papel do estado como regulador da atividade económica, tornando-se não o único, nem sequer o principal produtor, mas provavelmente o principal grossista no mercado. Tal papel grossista exige uma estrita e correta planificação, orientada para a satisfação das necessidades prioritárias da sociedade, utilizando recursos da ciência, da técnica e mesmo da inteligência artificial, para conseguir esse objetivo .
Estamos numa época em que temos as melhores ferramentas científicas, tecnológicas, mão de obra qualificada, robôs e inteligência artificial como arma para enfrentar este inimigo global que é a pandemia do COVID19.
O estado não pode deixar a resolução deste problema económico às condições do acaso de um mercado absolutamente liberalizado e dependente apenas das intenções e ações dos agentes económicos individuais que, por definição, em modo de produção capitalista puro, só lhes interessa defender o seu interesse individual, que é aumentar a sua quota parte  de capital, não  tendo como objetivo, nenhum interesse em sacrificar os seus objetivos individuais aos interesses globais. Daí que a função do estado não pode ser deixar a economia ao livre arbítrio dos interesses particulares, mas sim dirigir coordenar e enquadrar todas as forças produtivas (capital e trabalho), tal como faria um general a dirigir uma ação bélica. Esta conceção de estado está mais próxima do socialismo do que do liberalismo puro, que advoga uma posição minimalista para o estado. Necessitámos mais das ideias  de Keynes do que do ultra liberalismo de Milton Friedman.
Continua....

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