Liberdade de
empresa
Esta é uma das
liberdades sagradas da esfera económica defendida por todos os
crentes no todo poderoso deus “mercado” em particular os
defensores da doutrina política-económica conhecida por
neoliberalismo: um revivalismo do liberalismo clássico dos séc.
XVIII e XIX.
O liberalismo
filosófico (cultural), político e económico teve os seus
princípios estruturados por filósofos clássicos dos quais se
salientam: David Hume, Adam
Smith (considerado
o pai da doutrina económica do
liberalismo
“capitalista”),
David Ricardo, Jeremy
Bentham e Wilhelm Humbolt.
Os princípios
fundadores do liberalismo apoiam-se na primazia da
Liberdade de Contrato e da Liberdade da Ação Económica Individual
Auto-Determinada (Liberdade de Empreender).
Os seus corolários
são:
- a liberdade de
mercado (liberdade de transacionar títulos de propriedade ou de
usufruto de bens e serviços, por simples decisão contratual
bilateral)
- o direito de
propriedade privada, ou seja, o direito de decidir sozinho sobre o
destino de bens ou serviços de que sejam titulares.
Adicionalmente a
filosofia liberal também se baseia no pressuposto da escassez
generalizada dos recursos de consumo numa sociedade, tanto para uso
individual como para uso coletivo. É essa escassez que justifica que
os recursos necessários que não sejam passíveis de obter
diretamente da natureza, tenham de ser obtidos por meio do trabalho
individual e que os excessos de produção de bens ou serviços
produzidos por um indivíduo possam ser trocados entre indivíduos,
em regime de leilão, por negociação direta.
A esse procedimento
de troca em leilão chamam mercado e ao processo de formação dos
termos da troca, chamam lei da oferta e da procura.
Analisemos então
a Liberdade de Empreender.
A Liberdade de
Empreender também é chamada Iniciativa Privada e garante que o
indivíduo pode fazer qualquer ação económica que afete a sua
esfera pessoal ou a esfera dos outros indivíduos: a sociedade, desde
que (e aqui está uma primeira limitação) essa ação económica se
desenvolva no que chamam de ambiente de mercado livre.
Essas ações
económicas situadas na sua esfera de privacidade podem enquadrar-se
em quatro classes:
- a classe de
consumir recursos – a pessoa como consumidor
- a classe de
produzir recursos – a pessoa com produtor
- a classe de
destruir recursos – a pessoa como proprietário absoluto dos bens
da sua esfera de privacidade
- a classe de
permutar (transacionar) recursos com ou sem contrapartida – a
pessoa como comerciante
Estas quatro classes
de ação económica levantam muitas interrogações sobre se
pertencem exclusivamente à esfera de privacidade pessoal do ser
humano.
Muitos pensadores ,
( Exm: Schumpeter,
em:
- A
Teoria do Desenvolvimento Económico
;
e
; Weber
enfatiza uma de suas mais importantes teses: “o capitalista moderno
reinveste e faz crescer sua empresa. É para isso que trabalha e não
para usufruir pessoalmente do lucro adquirido” )
defendem uma posição alternativa, considerando que toda a ação
económica humana pertence à esfera social e, como tal, o seu
controlo deve ser feito pelas entidades que na esfera social têm a
titularidade desses direitos.
Pessoalmente entendo
que o ser humano é um ser social (não nasce, nem vive de forma
auto-suficiente realizando-se como pessoa em sociedade, de cuja
organização, a família é o primeiro elemento).
Aliás foi já nesse
sentido que escrevi já há quase 10 anos um artigo intitulado “ O
Primeiro Direito ”, para justificar o direito à vida em todas as
fases do desenvolvimento do ser humano, que pode ser lido em
http://penanet.blogspot.com.
No ensaio “Teoria
do Valor não Marxista” publicado no mesmo blog, além de precisar
o conceito de valor, demonstro a sua intima relação entre este e o
trabalho humano individual e a sua acumulação e transmissão entre
gerações através da vida em sociedade (esfera social) desmontando
e substituindo quer os conceitos clássicos do liberalismo quer os
conceitos clássicos do socialismo Marxista.
Tendo como
pressuposto comprovado cientificamente, que desde o nascimento até à
morte o conhecimento individual (científico, tecnológico,
artístico. cultural etc.) é maioritariamente adquirido da vivência
social e que as suas ações das 4 classes atrás citadas, são
consequências da vertente social das pessoas, podemos considerar que
o ser humano é um ser social, a quem a sociedade dá de concessão
esse conjunto de liberdades com limites muito bem definidos e
detalhados na lei dos estados modernos.
Isto demonstra que
os lemas “laissez faire” , “laissez passer” da filosofia
clássica liberal adotados atualmente pelo neoliberalismo, advogando
um estado minimalista e não intervencionista, são uma falácia,
pois tal estado deixaria todo o funcionamento da sociedade em termos
de ações económicas à mercê do acaso do relacionamento bilateral
ou multilateral das pessoas e das instituições.
Já sabemos que esse
relacionamento à semelhança do dos outros seres vivos, segue a
regra das lutas por recursos escassos ( a lei do mais forte ) que não
pretende instituir a competição como meio de aperfeiçoamento
individual e social, preservando a integridade dos intervenientes,
mas sim eliminar os mais fracos, os inadaptados e aqueles com menos
sorte.
Isto é a
concorrência!
As ações
económicas não são executadas num ambiente de jogadores racionais,
como advogam os liberais da escola austríaca e os neoliberais, mas
sim num ambiente natural de guerra entre pessoas concorrentes, que
tentam sempre adulterar as regras do jogo a seu favor e em prejuízo
dos demais.
Nos estados
democráticos modernos nenhuma ação pertencente às 4 classes de
ação económica pode ser exercida sem limitação legal :
- Não podemos
consumir tudo o que queremos e como queremos ( por exm drogas bebidas
alcoólicas, medicamentos etc tem enquadramento legal restritivo)
- Não podemos
produzir tudo o que queremos e como queremos e quando queremos (por
exm os produtos industriais têm de cumprir normas de qualidade
técnica e mesmo a produção caseira de muitos bens ou serviços é
pura e simplesmente proibida)
- Não podemos
destruir todos os bens de que somos titulares ( por exm não podemos
destruir espécies protegidas nem edifícios de interesse público
mesmo que sejam nossos)
- Não podemos
transacionar todos os bens e serviços por acordo bilateral (por exm
não podemos transacionar nada em mercado sem declarar e pagar os
impostos respetivos, não podemos vender produtos fora de validade)
A liberdade de
empresa ou de iniciativa privada é extremamente limitada pela
sociedade não é um direito individual absoluto.
Q. E. D ( quod erat
demonstrandum) “ como queria demonstrar” - como diria o meu
professor de matemática.